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quinta-feira, 16 de junho de 2016
quarta-feira, 11 de maio de 2016
quinta-feira, 14 de abril de 2016
Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 94
As menções de Anaximandro
No hilozoismo da
cultura grega antiga todas as coisas possuem uma génese, uma vida e a sua
aniquilação; em que o elemento vital, é um elemento anímico, uma alma, não
necessariamente um espírito (alma inteligente).
Anaximandro menciona
a geração (nascimento) e a corrupção (morte), aplicados a todas as coisas.
Portanto, ele participa desse hilozoismo. Acrescenta-lhes, no entanto, a sua
tese:
-Há um elemento,
o apeiron, do qual todas as coisas surgem, auferem a sua vitalidade,
nele desaparecem e retornam quando perdem completamente essa vitalidade.
Posição que é próxima de Tales.
Também menciona uma regra ou ordem no surgir e desaparecer das coisas.
Não aponta para um caos, mas para um Kósmos, segundo o
seguinte:
Um dos sentidos básicos desta palavra grega é “ordem”.
É de notar que é comum a toda a civilização grega que a realidade é um só
kósmos enquanto princípio ordenador anímico que a mantém unida e ligada nas
suas partes. Ora, tal era necessário desde que a noção de ligação e de união
não fossem afastadas uma da outra. No entanto, isto remete-nos para as ideias
de destino, de onde sobressaem as ideias de:
- Moira - entidade transcendente que amarraria os nós
das existências temporais dos seres, e de
- Anake - personificação divina da Necessidade, com um papel semelhante.
Quanto à sua ideia de que um ser estar fadado ao
aniquilamento, isto é, o ser surge para perecer, aponta para uma concepção
trágica da existência, concepção constante
nas epopeias de Homero, nas Cosmogonias de Hesíodo, e na Tragédia ática (Esquilo, Sófocles,
Eurípedes). É mais uma noção ligada à noção de Destino. Destino, enquanto sentido
transcendente que rege e determina todas as coisas, uma espécie de julgamento universal
oculto, o qual tem subjacente um princípio
julgador oculto, o que não deixa de ser mais um elemento anímico.
O notado anteriormente torna-se mais consistente se
for tomado o tema da aniquilação
como expiação. Morrer, perecer, deixar de ser, são punições infligidas ao
ente que surge arbitrariamente da fonte inicial, o que é injusto, e cuja
existência é violenta. O que leva a vincular-se à tradição Orfismo aplicado à
alma humana, enquanto potência fatalista, em que a existência é uma sina, todo
o agir ou ser tem um carácter negativo e a morte não passa de uma expiação ou
redenção. Ora, Anaximandro vislumbra essa potência em todos os entes. Ele
transpõe estas ideias, generaliza o princípio órfico porque admite a presença
universal do elemento anímico.
Anaximandro menciona também uma ordem do tempo
O inscreve na concepção do tempo cíclico, circular, do
eterno retorno dos seres, uma versão em escala cósmica da metempsicose ou o retorno à
existência (para alguns, entendida mais estritamente como reencarnação). O tempo só retorna
porque há algo depois do fim, porque o princípio se reitera, se repropõe, se
manifesta outra vez.
Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 93
A geração não vem de um elemento em mudança, mas a
partir do ilimitado, através da separação de contrários devido ao eterno
movimento.
Todos os ciclos em sequência de criação, evolução
e destruição são fenómenos naturais, que ocorrem a partir do ponto em que a
matéria abandona e se separa do apeiron. Anaximandro não dá à criação o
carácter material que o seu mestre defendia.
Como o apeiron é infinito e qualquer um dos
elementos considerados não o é, tal permite ao apeiron deter o poder de gerar e
corromper todas as outras coisas. Dado o seu movimento eterno, o tempo é tal
que a geração, a existência e a destruição num universo são limitadas. Assim,
necessariamente, o que tem geração ou início tem também fim, o término da sua
corrupção. E, a mudança dos seres não pode em si e por si mesmos se determinar.
Durante a luta os contrários vão perdendo o poder
que detinham, ou seja vão perdendo a sua vitalidade. E, quando já não possuem
qualquer poder cessa a luta entre eles, sendo reabsorvidos no apeiron, ou seja
nele desaparecem ou a ele retornam.
A Injustiça
O apeiron é a Lei do Destino e da Justiça:
Tudo o que nasce, um dia vai morrer. Tudo o que é
quente, um dia vai esfriar. Tudo o que é grande, pode ser dividido em pedaços
mais pequenos. O fogo pode ser combatido com água, e como resultado, fogo e
água deixam de existir. Tudo o que existe, somente existe em função de uma
emancipação do ser eterno e portanto as coisas ao se separarem deste, são dignas
de castigo.
Todo o dualismo entre opostos é uma forma de luta, e
como tal, de injustiça.
A injustiça consiste na predominância de um
contrário sobre o outro, no próprio facto de serem contrários, e na alternância
dos contrários.
A Justiça é a pacificação dos opostos no Infinito pela
sua reintegração neste.
Como
-O mundo nasce da cisão de contrários, de onde se
identifica a primeira injustiça, a qual deve ser expiada com a morte ou fim do
próprio mundo, que depois renasce, infinitamente, segundo determinados ciclos
de tempo.
-O nascimento de cada contrário implica imediatamente
a sua contraposição ao outro contrário.
Por essas duas razões, todo o nascimento é uma
injustiça, a ser expiada com o futuro aniquilamento.
Assim, sendo, todo o ser finito, por ser limitado, é
injusto.
Há dupla injustiça e, consequentemente, dupla
necessidade de expiação, visto que:
1 - O nascimento do mundo dá-se através da cisão
da unidade do princípio em opostos;
2 – Após a cisão, cada um dos opostos tenta usurpar,
com ódio pelo outro, a condição de único sobrevivente e dominador. Uma
usurpação, ao mesmo tempo, do lugar e dos direitos do imortal e indestrutível.
Pode-se dizer que as coisas criadas
cometem injustiças; é necessário, tendo em conta as injustiças de umas sobre as
outras, umas pagarem (penalização) e outras receberem (recompensa), de acordo
com a ordenação do tempo.
Em resumo:
1
– Na geração, o apeiron é o princípio ou o elemento de onde as coisas surgem.
Na corrupção,
é no apeiron as coisas desaparecem ou se aniquilam;
O apeiron é
Lei da Necessidade:
2 - A geração e corrupção dão-se junto a este
princípio e são regidas por ele, segundo a Lei da Necessidade.
O Princípio é Lei do
Destino e da Justiça:
3 - Os diversos seres participam da aniquilação ou
corrupção uns dos outros, havendo concessão de justiça e deferência. Ou seja,
aniquilar um ente é fazer Justiça, donde se infere que todo surgir de algo,
todo escapar da fonte primeira, é uma “injustiça”, uma violência;
4 - O modo como cada ente faz justiça ao outro através
da injustiça: cada coisa ao surgir, aniquila violentamente uma outra que lhe precedia,
“vingando”, por sua vez, o que aquela fizera com uma outra a qual aniquilou;
5 - Esta “expiação” universal de todas as coisas, não
se dá simultaneamente, ao mesmo tempo, mas segundo a ordem do tempo.
Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 92
Retemos que o apeiron é a realidade primordial e
final de todas as coisas e, consequentemente, contem toda a natureza do divino
em si próprio.
* Matéria divina
Como está acima do vir-a-ser garante a eternidade e o curso do vir-a-ser.
Em termos de matéria, é uma matéria divina,
infinita, ilimitada, indefinida, indeterminada, da qual não se tem experiência,
em movimento perpéctuo, sustentada por um equilíbrio de poderes e circundante.
Em relação aos seres, é a matéria primordial, geradora, potenciadora, corruptora
e que acolhe os seres após a sua perda de total de vitalidade.
Geração e Corrupção
Como é que o apeiron gera as coisas
determinadas e as manifestações no plano dos fenómenos
Concebe o apeiron como fundamento de todas as
coisas, uma matéria originária da qual todas as outras coisas se cindem, um
todo metafísico que contém em si todos os contrários. Se assim é, o apeiron tem
que ser anterior a todos os contrários, à “separação” desses contrários e a
todas as determinações.
Segundo a doxografia terá afirmado que em virtude do movimento eterno, a origem
das coisas a partir do apeiron é
explicada através da separação ou cisão dos contrários.
No apeiron se estabelece uma luta dualista, eterna
e cíclica entre os contrários. De tal modo que os contrários como que se
excluem o tempo todo e se revezam no tempo, daí não se manifestarem, o que
impossibilita a sua determinação. Por influência do já referido movimento
eterno, os contrários são separados dele, de molde a formar um Kósmo (universo).
Passam, então, a existir os contrários, enquanto pares com propriedades opostas
e determinadas, em cada coisa da natureza e nas que proliferam no universo.
A manifestação dos contrários, ou seja, a
possibilidade de serem notados na natureza, só o é desde que se dá a separação
ou cisão dos contrários. E, é através dos contrários existentes nas coisas
naturais e que proliferam no universo que o apeiron se manifesta no mundo
empírico.
A explicação para o que se verifica na natureza
reside na referida luta que os contrários estabelecem entre si. Nessa luta
-A morte de um oposto é a vida de outro (ao calor
do verão sucede o frio do inverno).
-Como o apeiron é ilimitado, numa mesma coisa, um
dos elementos do par de opostos não pode existir, enquanto existir o seu
contrário. Como se verifica existe uma ordem nesta determinação. Portanto, o
apeiron limita e determina as coisas finitas.
-Cada vez que um contrário prevalece, ie, quando
se verifica o triunfo de um oposto à custa do outro, gere-se um desequilíbrio
ou uma injustiça, o qual exige uma reparação no tempo através da vitória do
outro oposto e assim sucessivamente.
O tempo é o juiz, na seguinte
medida:
1-Mede e julga a luta,
2-Permite que ora exista um, ora
exista o seu contrário,
3-Limita a existência de cada um
dos contrários, pondo
fim no predomínio de um em favor de outro e vice-versa.
Torna-se claro que todas coisas
existentes derivam da referida luta ou constituem-se através dela e estão
sujeitas ao nascimento e ao desaparecimento, por força dos contrários que nelas
existem.
A coisa assim gerada é limitada, limitada quanto
ao seu tempo de existir, quanto ao lugar que ocupa no universo a que pertence e
quanto ao espaço que lhe é reservado, o que permite que seja determinada.
Da transformação de cada coisa no seu contrário,
isto é, da mudança entre pares de opostos da realidade, é que se pode perceber
que elas estão imersas numa espécie de turbilhão infinito, ilimitado,
indeterminado.
O apeiron é a Lei da Necessidade:
É por necessidade que nele se verifica,
permanentemente, a geração (génese, nascimento, criação) e a corrupção
(transformação, declínio, decadência, destruição) das coisas que existem. Geração
e corrupção que ocorrem por ciclos desde tempos infinitos.
Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 91
Fonte dos contrários
- Afirmou-se que ele ao prestar atenção à natureza
verificava que tudo o que nela se manifestava o fazia de forma dual.
Provavelmente, ele deve ter pensado que o
mundo é constituído de contrários (opostos, elementos antagónicos), que
tendem a predominar uns sobre os outros.
Pelo que a doxografia nos concede, para
Anaximandro o apeiron seria um todo metafísico, ao qual não se pode atribuir
características ou qualidades conforme se considera relativamente às coisas
existentes na natureza e que também proliferam pelo universo, sendo de notar
que é sem limites. Ele contém em si todos os contrários, e manifesta-se no
mundo empírico através dos contrários existentes nos elementos e nas coisas.
-Sustenta-se por um equilíbrio de poderes
(forças).
A fonte e a manutenção da
mobilidade
-É móvel, está em movimento permanente, nele o
movimento é eterno, infinito e cíclico, ele é a origem e o garante da
mobilidade universal. É uma fonte inesgotável de “energia” e movimento, o qual
eternamente faz surgir e desaparecer todas as outras coisas que existem passíveis
de se deslocarem e eternamente faz surgir e desaparecer infinitos mundos ou universos
(kósmos) com seus fenómenos e contrários. Por influência deste movimento, os contrários são separados
dele, de molde a formar um Kósmo (universo), daí se dizer que dele provêm os céus
e os mundos neles contidos. Kósmo que se estrutura na unidade e na
multiplicidade.
*Matéria em movimento perpéctuo
Lei ou Regra de Retribuição
entre Opostos:
-Origina, envolve
e dirige mundos inumeráveis. Governa cada um deles através da sua organização inicial e segundo a regra
contínua de mudança: a lei da retribuição entre opostos. E, aqui será de
lembrar que, por exemplo, o frio e o quente existiam juntos no apeiron, por sua
iniciativa abre-se um universo, a partir do momento em que ele concede a estes
opostos (e a outros) a possibilidade de vaguearem (manifestarem-se por meio do
movimento) por esse novo mundo, após a sua cisão.
Eterno
-É Eterno.
O uno não surgiu nunca, é algo insurgido, não tem
origem, não tem princípio, é origem de si mesmo, origem sem origem, é o autor
das outras coisas. Em si mesmo
não nasce, nem envelhece, é sempre jovem, existe eternamente, também não tem fim, não
morre, é imperecível. Não pode ter princípio, dado que não tem fim.
Imortal
-É imortal.
A imortalidade é lhe atribuída não é só por não
ter fim, como também por não ter começo.
Indestrutível
-Só o apeiron se pode considerar indestrutível, indivisível, incorruptível (não está
sujeito à corrupção).
Divino
-É divino.
Como é imortal e indestrutível, então assume a
condição de divino.
Anaximandro
atribui
ao seu princípio a imortalidade, uma das prerrogativas que Homero e a tradição
antiga atribuíam aos deuses. Os deuses nasciam num determinado momento, apenas
existiam e não tinham fim, detinham o poder de sustentar e governar tudo. Mas, Anaximandro
não se fica por isto, precisa que a imortalidade do princípio tem que ser tal
que não admite começo, nem fim.
Em face de tal, Anaximandro derruba a base sobre a
qual se erguiam as teogonias (genealogias dos deuses gregos, entendidos na
mitologia grega tradicional), ou seja, propõe a destruição da crença grega nos
seus deuses. Abre-se a possibilidade dos deuses não serem mais os criadores da
realidade e propõe uma nova forma de pensar assente numa base mais racional,
sem tantas alegorias.
A ideia da justiça equilibradora que admite uma
culpa original e a consequente expiação é uma ideia central do Orfismo.
Anaximandro na sua concepção dá-nos a entender que subscreve tal ideia pela
infiltração notada desse tipo de concepção religiosa.
quarta-feira, 30 de março de 2016
Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 90
-Um princípio dinâmico de perfeição, que garante a
estabilidade da realidade, algo que não permanece truncado no seu próprio
mundo, mas na realidade infinita.
-Algo espacialmente infinito, uma extensão
contínua e uma contínua divisibilidade.
* Matéria ilimitada.
O que não apercebemos
-Também se coloca a hipótese de ele ter atribuído
outra designação para o primeiro e único princípio, tendo em conta que o termo
experiência deriva de “peras”, mas também pode derivar de “peri” ou “perao” que
significa ‘por ter contacto com’, ‘experimentar’, ‘aperceber’:
“O a-perao”, seria aquilo de
que não se tem experiência, o que não experimentamos, o que não apercebemos,
aquilo com o qual não se tem contacto directo.
*Matéria da qual não temos
experiência
O Indefinido
-O princípio é o que não afecta os sentidos,
nomeadamente, a visão, seria invisível. Portanto, algo que não é objecto da
nossa experiência. Se o pudéssemos sentir, não o poderíamos definir, teríamos
dificuldade em lhe atribuir um nome, nesse sentido é indefinido.
*Matéria indefinida
O infinito
-Normalmente também é traduzido como “o Infinito”. O que traduz a ideia de muitíssimo
grande.
O certo é que Anaximandro pensava que o apeiron
não tinha começo nem fim no tempo. Ele, também, podia julgar que a “physis” se
estendia para sempre no espaço, se estendia indefinidamente para além do que a
nossa imaginação possa suportar, seria uma extensão espacial ilimitada, seria uma
“physis”ilimitada.
* Matéria infinita
Viu-se que o apeiron é o privado de limites:
-Se ele é o infinito espacialmente, e portanto
quantitativamente, é o privado de limites externos.
-Se ele é o qualitativamente indeterminado, é
privado de limites internos. Então, seria “o Infinito” na quantidade e na qualidade.
O
circundante
-E, precisamente por ser quantitativa e
qualitativamente ilimitado, infinito em extensão e profundidade, é que o
apeiron pode dar origem a todas as coisas, delimitando-se de vários modos. Portanto,
por ser infinito, o princípio abarca e circunda todos os céus (circundante),
envolve as outras coisas, governa-as e sustenta tudo. Enquanto delimitação e
determinação dele, todas as coisas dele se geram, nele consistem e são. Mas,
não tem só o poder de gerar, tem também o poder de corromper.
*Matéria circundante
O elemento das coisas
-É o elemento primordial e básico das coisas naturais
e proliferam no universo.
Não se parece com nenhuma das outras coisas já
formadas, nem é qualquer outra coisa. Não relaciona o “elemento primordial” com
quaisquer dos elementos que possamos sentir ao nosso redor no mundo actual. Não
é qualquer um dos elementos ar, terra, fogo e água. Existe à margem deles, é
distinto, e prevalece sobre eles.
Não é um
elemento intermediário entre eles, nem uma mistura deles. Não é nenhuma classe
de matéria particular, é composto de uma matéria desconhecida. Mais,
propriamente é a fonte geradora da matéria que procuramos definir e identificar
na natureza, é uma massa geradora dos seres. Terá de ser de outra natureza, é
uma physis distinta.
Em resumo podemos dizer que o apeiron é princípio
único e elemento das coisas naturais e que proliferam no universo.
O indeterminado
-Como é um princípio que não é nenhum dos
elementos, não é dominado por nenhuma característica, não é quente, não é frio,
nem molhado, é indefinido e ilimitado, e existe para que o vir-a-ser não cesse,
então é precisamente o indeterminado, em que a sua indeterminação é relativa ao
mundo gerado em si mesmo. Poder-se-á dizer, em correspondência ao seu
pensamento, que é um princípio indeterminado a partir do ponto de vista
espacial.
Qualquer um dos elementos (ar, terra, água e fogo)
não é o infinito. Os elementos têm em si os contrários, o que garante ao Uno
que à sua semelhança o mundo gerado não tenha fim.
* Matéria indeterminada, primordial e corruptora
quarta-feira, 23 de março de 2016
Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 89
Pela primeira vez, Anaximandro atribui ao primeiro
princípio a palavra “arché”, que em grego possui
os dois sentidos origem e começo.
“O Arché” é “a origem”, “o começo”, “o princípio”
(*), de todas as outras coisas que existem na natureza e proliferam pelo
universo.
(*)
A palavra princípio tem pelo menos dois sentidos. Um é ”o começo de algo” e a
outro é “a lei que rege algo no seu existir”.
Só existe um só primeiro princípio, a partir do
qual todas as outras coisas são geradas, é “o arché da physis”, unidade
primordial (uno) por trás da aparente diversidade dos fenómenos.
Para melhor designar o arché formula uma palavra que
negasse todas as demais, pois até mesmo o facto de a nomear, transformaria esse
princípio numa coisa. A palavra escolhida é apeiron.
A sua tese principal: O arché da physis é o
apeiron.
Anaximandro, a partir da percepção bem dirigida
sobre o mundo físico e abstraindo-se dele, indo do sensível ao inteligível,
concebe uma natureza metafísica que é o princípio e suporte do mundo real. Com
o seu pensamento passamos a ter uma ideia do princípio das coisas (como as
coisas nascem), da mobilidade possível delas (como se desenrolam) e do seu fim
(morte), de modo a termos a sua noção sobre as mudanças constantes da realidade.
Mas, deixa-nos a pista para aquilo que alimenta as
coisas no seu existir e o que as coisas devem ter de modo a serem alimentadas,
ie, pistas para as futuras noções que virão a ser desenvolvidas, como as noções
de matéria, massa, energia, e movimento, entre outras. Pelo que nos é dado a
perceber, no pensamento de Anaximandro não se faz a destrinça entre a ideia de
matéria e ideia de massa, conforme hoje se enuncia. Apesar disso, vai mais
longe, dá-nos a indicação para a entrada nas coisas a caminho do seu fundamento,
no sentido de encontrar na sua constituição os seus elementos mais ínfimos, no
caso dele fica-se pelos contrários.
Características do apeiron
Vimos que Anaximandro depois de constatar várias
coisas duvidou que uma coisa existente na ordem natural (realidade física), e
em certa medida universal, com as características ou qualidades abaixo
indicadas, pudesse ser o arché da physis:
Gerado – o originado por algo ou alguém
Físico - o relativo às condições ou leis da
natureza, algo natural
Formado – o que vai adquirindo ou adquire uma
forma
Sentido – o presente aos nossos sentidos e que os
afecta. Daí associarmos a palavra ‘concreto’ ou a palavra ‘real’, será um
objecto concreto, um objecto real. Sendo sentido é objecto da nossa
experiência.
Definido – algo ao qual podemos atribuir um
significado, algo em relação ao qual não temos dificuldade em atribuir um nome.
Limitado – o que tem limites espácio-temporais.
Determinado – aquilo para o qual podemos encontrar
a sua determinação no espaço e no tempo.
Finito – o que tem um fim.
Perecível – o que é susceptível de deixar de
existir.
À primeira vista parece que Anaximandro se enfoca
numa delas, caso de “limitado”, mas tal não será bem assim.
O ilimitado
Se o princípio não pode ter qualquer uma das características
anteriores, então o arché terá que ser “o sem limites” (o ilimitado). A palavra
que ele encontrou para esta proposta foi “apeiron”, palavra composta do prefixo
a (sem) e pelo término “peiría” ou “peras”, que se traduz por limites, contornos,
bordas, fronteiras ou extremidades.
Se é “o sem limites” tal transmite-nos a ideia que
estamos focados em algo que é i-limitado; que não podemos definir, é
in-definido; também não o podemos determinar, é in-determinado; não é como as
coisas finitas que nos são presentes, é in-finito, ou seja, estende-se no
espaço e no tempo muitíssimo para além do que a nossa imaginação possa conceber;
é algo que não experimentamos pelos sentidos, não adquire uma forma real.
Acontece, porém, que ele não deixou uma explicação
concreta sobre o que quer dizer com “o sem Limites”, o que gera larga
controvérsia nos dias de hoje. Uma boa aproximação ao que ele entendia seria
considerar o apeiron como:
Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 88
Um ponto foi sempre importante para o homem, o
qual se traduz pela seguinte pergunta:
Qual a origem das coisas que existem na
natureza e proliferam pelo universo?
Mas, a insatisfação leva o homem a tornar a
pergunta noutra mais complexa:
Haverá uma ordem ou lei comum que para além de
originar, orienta e governa o natural e o humano?
Os filósofos gregos pré-socráticos, ou seja, os
fisikói de Aristóteles, procuravam “o começo”ou “a origem” (“princípio”) de
todas as coisas que existem.
Tales apresenta-nos a água como o elemento
essencial e origem, mas não se questionou quanto ao como e ao porquê de todas
as coisas se originarem ou derivarem de um princípio único.
Anaximandro procurou responder às questões
levantadas. Assim, como Tales, procura a ordem comum e vem a defender a
existência de um só primeiro princípio, elemento primordial e básico, que
origina toda a realidade. Realidade tomada como todas as coisas que existem na
natureza e proliferam pelo universo, todas as outras coisas para além do
princípio, tudo o que vem a ser como fenómeno. No entanto, vai procurar dar
mais inteligibilidade à proposta de Tales. Ele animou-se
em encontrar uma explicação para o problema da mudança constante na realidade na
continuidade do mundo. Parece que se originou em si uma crença relativamente a
esse primeiro princípio, que procurou justificar, ou seja, apesar de ter
proferido declarações apodícticas, pela primeira vez procurou argumentar sobre
esse começo e sobre o cosmos, através de uma percepção bem dirigida e de uma abstracção que se estendia
do sensível até ao inteligível. Por
esse facto veio a ser apelidado de primeiro
filósofo.
Os seus argumentos chegaram até
aos nossos dias sobre a influência do pensamento aristotélico, segundo o
pensamento de outros doxógrafos e através das interpretações dos mais diversos
estudiosos da matéria. Reconstruir a sua argumentação é difícil, e pode levar a
que se entre pelas malhas da conjectura. O que obriga a procurar efectuar uma
análise cuidada das informações disponibilizadas, de modo a nos aproximarmos
daquilo que os seus argumentos devem parecer.
Da
justificação resultou o desenvolver de uma teoria do universo. É o primeiro a formular o
conceito de uma lei universal que preside ao processo cósmico total. A sua teoria do universo assenta em dois pilares: o
conceito apeiron e o conceito kósmos. Através destes conceitos
procura dar uma explicação acerca da origem e funcionamento do universo. Para
tal, conserva o grupo de transformações de Tales de umas formas noutras, não de
um modo imediato, mas através da intermediação do apeiron.
O apeiron
é envolvente do kósmos, espacial e
temporalmente, constitui-se como a garantia da unidade metafísica do universo;
e, é governante de tudo, porque é imortal e imperecível, ou seja é divino. Os
dois conceitos podem ser compreendidos em alternância e em função um de outro.
Isto é, o apeiron em função do kósmo (em que o kósmo se absorve no
apeiron) e o kósmo em função do apeiron (em que o apeiron se subordina
ou reduz ao kósmo).
Ao colocar a questão
fundamental e o seu desenvolvimento em termos de apeiron, versus Kósmo, ou
vice-versa, em que a physis já não é a água, mas o apeiron, um princípio de
outra natureza, uma unidade metafísica, faz dele o primeiro filósofo metafísico.
Na busca racional de encontrar o que permanece, Anaximandro
não encontra o princípio numa natureza finita como a água, elemento que é
derivado e previamente conhecido, matéria que é objecto da nossa experiência,
visto que afecta os nossos sentidos. Pela mesma ordem de razões, não considera
como sendo essa “essência” os elementos ar, terra, fogo, mas algo por trás
dessa capa aparente, com o que realmente tem lugar. Se ele considerasse algum
dos quatro elementos como princípio único originário, esse elemento tenderia,
pela sua própria natureza, a eliminar e a destruir o seu contrário. Veja-se o
caso do fogo. É ilógico pensar que dele pudesse surgir um elemento contrário,
exemplo a água, visto que a observação mostra que ambos tendem a destruir-se.
E, como nós só conhecemos as formas particulares
de “matéria” que emanam do princípio, concebe o princípio, a origem do real,
como algo que não afecta os sentidos, não é objecto da nossa experiência, não
será nenhum elemento particular previamente conhecido, nem nenhuma classe de
matéria particular, será algo distinto, composto de uma matéria desconhecida,
terá de ser de outra natureza. Ele
propõe uma outra
physis e um novo princípio, distintos dos de Tales.
Com originalidade vai postular o princípio,
sobrepondo-o às coisas existentes.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 86
Anaximandro
acreditava que existia um só princípio, a partir do qual todas as coisas são
geradas e que ele estaria por trás da diversidade dos fenómenos.
Pela primeira
vez, vai servir-se da palavra arché, que em grego significa ‘origem’ ou ‘começo’,
para dar andamento à sua explicação.
Toma o arché
da physis como a origem ou começo das coisas materiais. Dito de um modo mais
aprofundado, toma-o como o primeiro princípio do mundo e de todas as coisas
nele existentes.
Mas, não
estava satisfeito, precisava de formular uma palavra que negasse todas as
outras, porque até só o simples facto de a nomear transformaria o primeiro
princípio numa coisa.
A talhe de
foice, vem à ideia que, actualmente, a palavra princípio pode assumir pelo
menos dois significados: ‘o começo de algo’ ou ‘a regra que rege algo no seu
existir’.
Servindo-se de
uma percepção bem dirigida sobre o mundo físico e abstraindo-se dele, indo do sensível ao inteligível, concebe uma natureza metafísica que é o princípio e o
suporte do mundo.
Com o seu
pensamento passamos a ter uma ideia do princípio das coisas (primeira origem),
da sua mobilidade (como se desenrolam) e do seu fim (morte ou retorno), de modo
a termos uma noção sobre as mudanças constantes da realidade. Deixa-nos uma
pista para aquilo que alimenta as coisas no seu existir e o que devem possuir
para manter a sua vitalidade, isto é, pistas para as futuras noções que virão a
ser desenvolvidas, como as noções de matéria, massa, energia e movimento, entre
outras. Pelo que nos é dado aperceber, o que é compreensível, no seu pensamento
não se faz a destrinça entre a ideia de matéria e a ideia de massa, como hoje
se enuncia. Apesar disso, vai um pouco mais longe, dá-nos a indicação para a
entrada nas coisas a caminho do seu fundamento, no sentido de encontrar, na sua
constituição, os seus elementos mais ínfimos, no caso dele fica-se pelos
contrários.
Ele acabou por
encontrar a tal palavra que procurava. É a palavra apeiron, composta do prefixo
a e pelo términos peiría ou peras que se traduz por limites, contornos, bordas,
fronteiras, extremidades. Então, o apeiron será o sem limites,
A sua tese
principal é o arché da
physis é o apeiron.
Ao longo do
tempo, Anaximandro foi constatando várias coisas, o que lhe permitiu chegar à
conclusão que aquilo que permanece, para além de todas as coisas não pode ser
algo finito, como já foi enunciado. Ele duvidou que uma coisa sujeita à ordem
natural, e até aquelas que estão sujeitas à ordem universal, pudessem ser o
arché da physis, com as características abaixo indicadas:
O gerado, o originado
por algo ou alguém.
O físico, o
relativo às condições ou regras da natureza, algo natural.
O formado, o
que vai adquirindo ou adquire uma forma determinada.
O sentido, o que
é presente aos nossos sentidos e os afecta.
O definido,
algo ao qual podemos atribuir um significado, algo ao qual não temos
dificuldade em atribuir um nome.
O limitado, o
que tem limites espácio-temporais.
O determinado,
aquilo para o qual podemos encontrar a sua determinação no espaço e no tempo.
O finito, o
que tem um fim.
O perecível, o
que é susceptível de deixar de existir.
À primeira
vista parece que ele se inclina para uma delas em exclusivo, caso de limitado,
mas tal não é bem assim.
Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 85
Lendo outros relatos de outros doxógrafos:
Relato de Pseudo - Plutarco (relativo a Plutarco, séc. I e II d.C.)
Relato de Pseudo - Plutarco (relativo a Plutarco, séc. I e II d.C.)
“… Anaximandro que foi companheiro de
Tales, disse que o apeiron continha a causa inteira da origem e destruição do
mundo, de que, segundo ele, os céus estão separados e, em geral, todos os
mundos, que são apeirous (inumeráveis).
Ele declarou que a destruição e muito
antes a geração acontecem desde idades infinitas, pois todas ocorrem em
ciclos”.
Relato de Hipólito de Roma (séc. II e III d.C.)
“Ora, Anaximandro de Mileto, …, disse
que o princípio e elemento das coisas que existem era o apeiron, tendo sido ele
o primeiro a usar este nome do princípio material. (Além disso, disse que o
movimento era eterno, do que resulta que se originem os céus). … ele disse que
o princípio material das coisas que existem era uma natureza do apeiron, de que
provêm os céus e o mundo neles contidos.
Esta natureza é eterna e não envelhece,
e também circunda todos os mundos.
Ele fala do tempo como se a geração, a existência
e a destruição fossem limitadas.
(Ele fala do tempo …)”.
"… O divino é que não tem
origem nem fim … "
Relato de Diógenes Laércio (? séc. III d.C.)
“Anaximandro … dizia que o princípio e
elemento é o indefinido, sem distinguir o ar, ou a água ou outra coisa …”
Relato de Simplício (séc. V e VI d.C.) (DK 12 B 1)
103 A
“Entre
os que admitem um só princípio móvel e infinito, Anaximandro de Mileto, …,
disse que o princípio, e elemento das coisas que existem, era o apeiron
(indefinido e infinito), tendo sido ele o primeiro a usar este nome do
princípio material. Diz ele que não é a água, nem qualquer outro dos chamados
elementos, mas uma natureza apeiron, de que provêm todos os céus e os mundos
neles contidos.
E, a
fonte da geração das coisas que existem é aquela em que se verifica também a
destruição segundo a necessidade; pois paguem castigo e retribuição uns aos
outros, pelas suas injustiças, de acordo com o decreto do tempo, conforme ele
se exprime nestes termos um tanto poéticos”.
O que
é Anaximandro poderá ter constatado e que o levou a caminhar num determinado
sentido?
Anaximandro
foi um homem atento à realidade que o circundava e sentia-se envolvido por ela.
Perante
a continuidade do evoluir constata que ocorrem mudanças constantes da
realidade, visto que ocorrem períodos de instabilidade seguidos de
estabilidade, e não desviava a sua atenção ao sequenciar cíclico dos fenómenos.
O
homem vê-se perante a multiplicidade (abundância), pluralidade (grande número) e
a diversidade (variedade) das coisas existentes e dos respectivos fenómenos.
Ele
apercebeu-se que as coisas, e os seus fenómenos, com que se confrontava seguem
uma ordem ou lei, -Ordem Natural, onde se inclui a ordem humana. Contudo,
dirige a sua atenção ainda para mais longe, ou seja, para a ordem universal que
rege as coisas que proliferam pelo universo.
Verificou
que tais coisas:
-Não
se manifestam sempre do mesmo modo e cada uma tem o seu próprio tipo de
manifestação.
-São
passíveis de serem sentidas (objectos da nossa experiência).
-Têm a
tendência para a transformação umas nas outras.
A
terra absorve a água da chuva. A água apaga o fogo, acabando por desaparecer os
dois. O fogo aquece a água e gera-se vapor.
-As
sua propriedades ou qualidades:
Sucumbem
ao longo do tempo (morte).
Tudo o
que nasce um dia vai morrer (geração e morte).
As
coisas estão fadadas a desaparecer (retorno ou morte).
Tudo o que é quente acaba por esfriar (variação de estado e dualidade).
Tudo o
que é grande pode ser dividido em partes mais pequenas (divisibilidade).
Todas
as coisas são limitadas e usufruem do direito de lugar (limitação e
determinação)
As
coisas são susceptíveis de se deslocarem (mobilidade).
As
coisas estão sujeitas à lei do destino e da justiça (tempo).
Mas, o
seu interesse em indagar a physis leva-o a notar mais situações.
Tudo o
que se manifesta na natureza o faz de forma dual: dia e noite, masculino e
feminino, positivo e negativo, vida e morte, calor e frio, seco e húmido, claro
e escuro, etc.
O ar é
frio, a água é húmida, e o fogo é quente. Frio, húmido e quente são qualidades
dos elementos antagónicas entre si. Cada uma das coisas tem um oposto. O oposto
da água é o seco. Portanto, os elementos possuem atributos definidos e actuam
em oposição uns aos outros.
Acerca
da água:
Os
processos de condensação e rarefacção da água exigiam um principio
transformador.
A água
nas diversas transformações não permanece sempre igual a si mesma.
Do
elemento fogo não pode surgir um elemento contrário como a água, porque a
observação mostra que eles tendem a destruir-se mutuamente.
O que se
enuncia fá-lo duvidar da possibilidade da água, por si mesma, poder pôr-se em
movimento e transformar-se em todas as coisas.
Questionou-se:
Como é
que da água se pode produzir a pluralidade do mundo?
Neste
mundo se estabelece o finito, o perecível, o gerado, o sentido, o limitado, o
formado, o determinado, o físico, o real, o concreto.
Acaba
por reter o seguinte pensamento:
Sem
injustiça, o limitado não pode ser a origem. O que permanece para além de todas
as coisas não pode ser algo finito.
Em
suma, ele estava atento às coisas naturais e às que proliferam pelo universo, e
aos respectivos fenómenos. Mas, para ele, as ocorrências eram carentes de uma
explicação mais profunda. Era sua preocupação encontrar uma explicação para o
mundo e para todas as coisas nele existentes.
O Mundo
empírico é o mundo que permite adquirir, sistematizar e certificar a
nossa experiência, através das muitas coisas com que somos presenteados. Essas
coisas afectam os nossos sentidos e causam admiração, elas são os objectos da
nossa experiência. Essa afectação é devida ao facto de as coisas se
manifestarem enquanto fenómenos. O reconhecimento da manifestação, da afectação
e da admiração por elas causada, leva-nos a afirmar que elas acontecem e
existem. Neste circunstancialismo, a natureza é física, os objectos são
concretos ou reais, e o mundo é uma realidade não oculta. Ao dizer que este
mundo é uma realidade que não é oculta, estamos já a dar indicação quanto à
possibilidade de existência de uma realidade oculta, que bem pode andar a par da realidade física, e sobrepor a essa realidade, até porque os nossos sentidos não são assim tão
avantajados e podem nos enganar.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016
Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 84
Relatos de Aristóteles
(séc. IV a.C.)
Relato no De
Caelo
“De facto alguns supõem que existe uma
única substância, e essa supõem-na como a água, outros como o ar, outros como o
fogo, outros como sendo mais subtil que a água e mais densa que o ar; é ela
segundo dizem, que circunda todos os céus, por ser infinita”.
Relato na Gen.
e Corr.
“Não há um só destes elementos (ar, água,
fogo e terra) de que derivem todas as coisas; e não há certamente nenhum outro
além destes, algo intermediário entre o ar e água, ou entre o ar e o fogo, que
seja mais denso que o ar e o fogo, e mais subtil que os demais; pois isso será,
simplesmente ar e fogo como oposição dos contrários; mas uma das qualidades
contrárias é a privação – de modo que é impossível ao elemento intermédio
existir isolado, como pretendem alguns pensadores a respeito do infinito e do
circundante”.
Relato
“Todos
os que se ocuparam da natureza fazem do infinito propriedade de outra natureza
que pertence aos chamados elementos, como a água ou o ar ou o seu
intermediário”.
Relato na
Física
“Dois tipos de explicação são dados
pelos físicos. Os que fizeram de um corpo subsistente uma unidade, que é um dos
três elementos ou um outro que é mais denso
que o fogo e mais subtil do que o ar, geram o resto por condensação e
rarefacção, fazendo assim a pluralidade dos seres … Mas, outros dizem que os
contrários se separam do Uno, estando presentes nele, como dizem Anaximandro e
todos os que admitem a unidade e a multiplicidade, como Empédocles e
Anaxágoras; pois estes também separam todo o resto da mistura”.
Relato na
Física
“Contudo, nem um corpo infinito pode
ser uno e simples, quer seja como afirmam alguns, aquilo que existe à margem
dos elementos, e de onde os fazem sair, quer ele seja expresso simplesmente.
Pois alguns há que fazem infinito o que
existe fora dos elementos, não o ar, ou a água, para que o resto seja destruído
pela substância infinita destes; é que os elementos opõem-se uns aos outros (o
ar é frio, a água é húmida e o fogo é quente), e se um desses elementos fosse
infinito o resto já teria sido destruído.
Mas, nestas condições, eles dizem que o
infinito é diferente desses elementos e que provêm dele”.
Relato na
Física
“A crença na existência do infinito
resultante na maioria dos casos, para os que consideram o assunto, de cinco
factores … demais, porque só assim a geração e a destruição não deixariam de se
verificar, se houvesse uma fonte infinita de onde provém o que é gerado”.
Relato na
Física
“Nem, para que a geração não deixe de
se verificar, é necessário a um corpo perceptível ser efectivamente infinito;
pois é possível que, sendo limitado o total das coisas, a destruição de uma
seja a geração de outra”.
Relato na
Física
“ … não há princípio do infinito … mas
é ele que parece ser o princípio das outras coisas, e envolve-as e dirige-as a
todas, conforme dizem os que não admitem outras causas, como a inteligência e o
amor, acima e além do infinito. E, é isto o divino, por ser imortal e
indestrutível, como dizem Anaximandro e a maioria dos fisiólogos”.
Relato na Física
"Tudo tem uma origem ou é
uma origem, o Sem Limites não tem origem, … terá um limite … é tanto por não
nascer e por ser imortal, sendo uma espécie de origem. Pois o que se tornou tem
também, necessariamente, um fim, e não há uma terminação para cada processo de
destruição".
Crítica de Aristóteles
Aristóteles nos seus relatos descreve as possíveis
ideias de Anaximandro, umas vezes não se refere explicitamente a ele, noutras
menciona-o mesmo, noutras ainda descreve ideias dos fisikói. Ao lê-los ficamos
com a sensação que teve na sua presença escritos (papiros) de Anaximandro, o
que não será de todo incorrecto, tendo em conta que ele foi um bom
bibliotecário na escola platónica e depois no seu próprio liceu. Aliás, li-a e discutia
bastante os documentos que se encontravam ao seu alcance. Também ficamos com a
ideia de que Aristóteles não concordava em absoluto com “a ideia de apeiron” de
Anaximandro. Talvez, já tivesse em mente a sua própria metafísica. O que os
relatos demonstram é que Aristóteles, em certa medida, é influenciado por
Anaximandro e pelos fisikói na construção do seu pensamento metafísico, não
deixando de ir mais longe com o seu propósito.
Crítica de Aristóteles à ideia de apeiron:
-Parece argumentar que “o sem limites” não tem
origem porque é em si a origem. Depois avança que terá um limite, o que não
deixa de ser uma contradição.
-Seria uma substância material como os outros elementos
e estabelece-o como um elemento intermediário entre os elementos, mais subtil
que a água e mais densa que o ar.
-Parece refutar a ideia de que o apeiron seria um
elemento à margem dos outros elementos.
-Apesar do que foi dito, indicia que seria algo
nebuloso, uma espécie de mistura ou mescla confusa de elementos, que muda de
forma com frequência, seria uma espécie de caos.
-Na questão “infinito” apresenta uma posição
discordante:
Parece do que lhe foi transmitido que entendeu que
o gerado (corpo perceptível) era efectivamente infinito, e não detentor de
resquícios do infinito.
Como os elementos se opõem uns aos outros (o ar é frio,
a água é húmida e o fogo é quente), se um desses elementos fosse infinito todas
as outras coisas já teriam sido destruídas.
-Não deixa de ser crítico quanto à concepção de
geração de Anaximandro. Avança com a ideia de que não uma terminação para cada
processo de destruição.
-Para o apeiron ser divino, apesar de ser imortal
e indestrutível, necessitaria de ter mais dois atributos: a inteligência e o
amor. Claro que, Anaximandro não poderia deter a noção de espírito de
Aristóteles que gera, envolve e coordena todas as coisas existentes.
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