segunda-feira, 28 de junho de 2010

A Origem da Tragédia de Nietzsche, Lisboa Editora, 288 páginas.


Amigo, como diz Fink, tens a mania de incendiar tudo à tua volta. Estejas, ou não, lá onde estiveres, não achas que a tua cosmovisão sofre de dois erros crassos. Olha cá para baixo, retira completamente o teu Véu de Maia e deixa-te de ressentimentos, porque os tens.
Então, a tua mente é capaz de traçar uma teoria que defende uma minoria de detentores de máxima potência, muitas vezes sonegada camufladamente à imensa maioria de sofridos, porque tal está de acordo com a sabedoria trágica, e todos os outros, a grande parte da humanidade, são uma cambada de diminuídos, onde alguns deles nem teriam direito a viver. Dividir a espécie entre fortes e fracos em potência é um erro. E manter aleijados com a cabeça no bolso na condução da humanidade é uma estupidez.
Por outro lado, esqueceste-te de dissertar sobre qual a origem dos quanta de poder que abundam em diversidade e quantidade no cosmos.
Desculpa lá, mas nestas metes-te água por todos os lados.
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As duas afirmações acima podem ser incoerentes. À primeira vista elas são próprias de um arruaceiro! Olhando de viés e penetrando no dito as dúvidas têm outra coloração. A leitura de certos e determinados aforismos e metáforas impulsionam a expressão livre, o pôr cá fora as dúvidas. Dos mesmos decorre a abertura às perspectivas. Um só instrumento de trabalho de Nietzsche equipara-se a uma via com várias pistas, onde abundam cruzamentos e entroncamentos. Todos eles são autênticos labirintos. Todos eles funcionam como os martelinhos de um piano de cauda, ora percorrendo as cordas intensamente, ora tocando-lhes levemente. No decorrer deste processo, a estridência estilhaça o vidro opaco e temperado que nos envolve, caindo compassadamente cada um dos estilhaços ao chão. Por entre cada fresta surge algo diferente. A realidade é limpa. Fica um novo olhar sobre o mundo e as coisas. A sua obra é uma grande porta de difícil acesso.
Um dos seus alertas é o poder da linguagem, desenhos e sons que criamos para reproduzir o trabalho da mente, depois da experiência da vida. Ela não é directamente decorrente da vida. A vida está, percepcionam-se partes, trabalha-se essa informação, criam-se rótulos e verbalizam-se ideias, desde o estar até ao dizer vai um longo caminho…
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 Ele estabelece a sua concepção filosófica a partir da vida.
Esta obra (OT) tem muitos caminhos por trás dela, um deles aponta a cosmovisão do autor, nomeadamente, os seus conceitos de pulsão e potência.  
Munido da filologia, do seu gosto pela literatura clássica, pela influência das pesquisas que encetou sobre os pensadores pré-socráticos, e por ter feito da filosofia uma amante, descobre o trabalho artístico de um povo ao longo dos tempos. Colocaram-se-lhe perguntas: como vivia o povo Grego (?), como variava o seu estado emocional no tempo (?), quais as forças decorrentes da vida que são causadoras dessas variações (?). Como fazer do sofrimento uma força (?), ….
Nesta primeira viagem, um Nietzsche germânico transforma-se num latino frontal, emocionante e empolgante. As suas tochas iluminam-se com o fogo (Fink) e percorre-se um mar imenso (Lourenço) … 
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Uma pulsão A, designada “do Disforme”, é dotada de uma potência x, localiza-se em oposição e nas proximidades da pulsão B - (Ex: Impulsos dionisíacos, ou o capital intelectual e pecuniário de um homem).
Uma pulsão B, designada “da Forma”, é dotada de uma potência Y, localiza-se em oposição e nas proximidades da pulsão A – (Ex: Impulsos Apolíneos, ou o capital intelectual e pecuniário de outro homem).
Conjugam-se as vontades de poder numa época.
Resulta um corpo (uma estrutura) – (Ex: Tragédia Ática, ou uma instituição).
Repousando um olhar sobre o cosmos, ele é o habitáculo de muitas estruturas, então, ele é o habitáculo de diversas e variadas pulsões.
Quem originou os primeiros quanta de poder surgidos no universo?
De outro modo: “o originário” é, ou não, a relação entre pulsões?
Nietzsche inclina-se para a relação, partindo das aparências percepcionadas, desde aí desenvolve o seu pensamento.
Um físico diria eles são fruto do big-bang, continuando a sua procura através de um acelerador de partículas; um crente diria Deus, continuando a incrementar e a aplicar a sua crença; um filósofo profundamente optimista, e porque não (?), dotado de sabedoria trágica, diria: “temos que procurar por tempo indefinido os fundamentos”… 
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Enquanto adolescente primava Kant e Sartre.
No secundário dos miúdos aparece O Nietzsche e a sua Origem da Tragédia, segundo o espírito da música, tradução do Luís Lourenço. Cada miúdo, e miúda, tinha como complemento uma análise à obra.  
A primeira leitura do livro teve em conta o cumprir de uma obrigação. Pousei o livro e dois pontos imanentes ficaram na mente. Andei por outros caminhos. Um dia leio passos de Giacomelli. Senti-me impelido a ler segunda vez a “Tragédia”, notei que à medida que percorria a obra, os meus fluxos mentais variavam de intensidade, entre máximos de excitação e mínimos pacificadores. Ela suscitava uma variação de tenção entre os pontos referidos, a mente oferecia uma resistência insistente. Assim, passei por vários sentimentos, instalaram-se emoções e atingi paixões…

PS: Com muita saudade, dedico ao "Rato" o escrito e o omitido. A ele devo o facto de me ter apresentado e fomentado a curiosidade há cinquenta anos.
 
António Martins, no Porto, em 15.12.2010.
 






terça-feira, 1 de junho de 2010

“Homem Medíocre” de José Ingenieros, Consciência on-line, 103 páginas.

José foi um filósofo de origem italiana e argentino por adopção. Dedicou-se ao estudo da psicologia, sociologia e política. Foi professor da Universidade de Buenos Aires, primeiro da faculdade de medicina e depois da de filosofia. Era querido dos seus alunos.
Na sua fase inicial foi um digno representante do positivismo.
Foi um dos fundadores do Socialismo na Argentina. Veio a aderir ao ideal comunista e participou na luta conta o imperialismo.
Mais tarde, depois de constatar o que era o socialismo de estado, torna-se simpatizante do ideal anarquista.
Morre muito novo.
Em face do que li neste livro que testemunha a sua elevada cultura, a sua morte prematura interrompeu o percurso de um grande génio da humanidade.
O primeiro parágrafo desta obra é um alerta bem delimitado para alguns, e simultaneamente, um hino grandioso que nos atira para o seu interior. Caixa onde os nossos sentimentos, paixões e comportamentos são analisados insistentemente, reconduzindo-nos à mudança, no sentido da rectidão suprema enquanto pares da relação social.
Ao longo da obra, de onde destaco um percurso da originalidade à mediocridade e da mediocridade à inferioridade mental, ou da juventude à idade avançada, vai-nos nos revelando o homem medíocre, com rotinas no cérebro e preconceitos no coração.
Do ideal ao génio, desenvolve diversos conceitos como o “mérito” e a “meritocracia”, “medíocre” e “ mediocracia”, passando pela vaidade, a inveja, a avareza, a dignidade, a coragem, a cultura e a velhice, entre outras questões.
Uma leitura entusiasmante de onde resultaram ideias e acréscimos a outras já existentes.
Ao livro digo até breve.


António Martins, no Porto, em 28.06.2010