quarta-feira, 30 de março de 2016

Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 90

-Um princípio dinâmico de perfeição, que garante a estabilidade da realidade, algo que não permanece truncado no seu próprio mundo, mas na realidade infinita.
-Algo espacialmente infinito, uma extensão contínua e uma contínua divisibilidade.
* Matéria ilimitada.
O que não apercebemos
-Também se coloca a hipótese de ele ter atribuído outra designação para o primeiro e único princípio, tendo em conta que o termo experiência deriva de “peras”, mas também pode derivar de “peri” ou “perao” que significa ‘por ter contacto com’, ‘experimentar’, ‘aperceber’:
“O a-perao”, seria aquilo de que não se tem experiência, o que não experimentamos, o que não apercebemos, aquilo com o qual não se tem contacto directo.
*Matéria da qual não temos experiência
O Indefinido
-O princípio é o que não afecta os sentidos, nomeadamente, a visão, seria invisível. Portanto, algo que não é objecto da nossa experiência. Se o pudéssemos sentir, não o poderíamos definir, teríamos dificuldade em lhe atribuir um nome, nesse sentido é indefinido.
*Matéria indefinida
O infinito
-Normalmente também é traduzido como o Infinito”. O que traduz a ideia de muitíssimo grande.
O certo é que Anaximandro pensava que o apeiron não tinha começo nem fim no tempo. Ele, também, podia julgar que a “physis” se estendia para sempre no espaço, se estendia indefinidamente para além do que a nossa imaginação possa suportar, seria uma extensão espacial ilimitada, seria uma “physis”ilimitada.
* Matéria infinita
Viu-se que o apeiron é o privado de limites:
-Se ele é o infinito espacialmente, e portanto quantitativamente, é o privado de limites externos.
-Se ele é o qualitativamente indeterminado, é privado de limites internos. Então, seria “o Infinito” na quantidade e na qualidade.
O circundante
-E, precisamente por ser quantitativa e qualitativamente ilimitado, infinito em extensão e profundidade, é que o apeiron pode dar origem a todas as coisas, de­limitando-se de vários modos. Portanto, por ser infinito, o princípio abarca e circunda todos os céus (circundante), envolve as outras coisas, governa-as e sustenta tudo. Enquanto delimitação e determinação dele, todas as coisas dele se geram, nele consistem e são. Mas, não tem só o poder de gerar, tem também o poder de corromper.
*Matéria circundante
O elemento das coisas
-É o elemento primordial e básico das coisas naturais e proliferam no universo.
Não se parece com nenhuma das outras coisas já formadas, nem é qualquer outra coisa. Não relaciona o “elemento primordial” com quaisquer dos elementos que possamos sentir ao nosso redor no mundo actual. Não é qualquer um dos elementos ar, terra, fogo e água. Existe à margem deles, é distinto, e prevalece sobre eles. Não é um elemento intermediário entre eles, nem uma mistura deles. Não é nenhuma classe de matéria particular, é composto de uma matéria desconhecida. Mais, propriamente é a fonte geradora da matéria que procuramos definir e identificar na natureza, é uma massa geradora dos seres. Terá de ser de outra natureza, é uma physis distinta.
Em resumo podemos dizer que o apeiron é princípio único e elemento das coisas naturais e que proliferam no universo.
O indeterminado
-Como é um princípio que não é nenhum dos elementos, não é dominado por nenhuma característica, não é quente, não é frio, nem molhado, é indefinido e ilimitado, e existe para que o vir-a-ser não cesse, então é precisamente o indeterminado, em que a sua indeterminação é relativa ao mundo gerado em si mesmo. Poder-se-á dizer, em correspondência ao seu pensamento, que é um princípio indeterminado a partir do ponto de vista espacial.
Qualquer um dos elementos (ar, terra, água e fogo) não é o infinito. Os elementos têm em si os contrários, o que garante ao Uno que à sua semelhança o mundo gerado não tenha fim.

* Matéria indeterminada, primordial e corruptora

quarta-feira, 23 de março de 2016

Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 89

Pela primeira vez, Anaximandro atribui ao primeiro princípio a palavra “arché”, que em grego possui os dois sentidos origem e começo.
“O Arché” é “a origem”, “o começo”, “o princípio” (*), de todas as outras coisas que existem na natureza e proliferam pelo universo.
(*) A palavra princípio tem pelo menos dois sentidos. Um é ”o começo de algo” e a outro é “a lei que rege algo no seu existir”.
Só existe um só primeiro princípio, a partir do qual todas as outras coisas são geradas, é “o arché da physis”, unidade primordial (uno) por trás da aparente diversidade dos fenómenos.
Para melhor designar o arché formula uma palavra que negasse todas as demais, pois até mesmo o facto de a nomear, transformaria esse princípio numa coisa. A palavra escolhida é apeiron.
A sua tese principal: O arché da physis é o apeiron.
Anaximandro, a partir da percepção bem dirigida sobre o mundo físico e abstraindo-se dele, indo do sensível ao inteligível, concebe uma natureza metafísica que é o princípio e suporte do mundo real. Com o seu pensamento passamos a ter uma ideia do princípio das coisas (como as coisas nascem), da mobilidade possível delas (como se desenrolam) e do seu fim (morte), de modo a termos a sua noção sobre as mudanças constantes da realidade. Mas, deixa-nos a pista para aquilo que alimenta as coisas no seu existir e o que as coisas devem ter de modo a serem alimentadas, ie, pistas para as futuras noções que virão a ser desenvolvidas, como as noções de matéria, massa, energia, e movimento, entre outras. Pelo que nos é dado a perceber, no pensamento de Anaximandro não se faz a destrinça entre a ideia de matéria e ideia de massa, conforme hoje se enuncia. Apesar disso, vai mais longe, dá-nos a indicação para a entrada nas coisas a caminho do seu fundamento, no sentido de encontrar na sua constituição os seus elementos mais ínfimos, no caso dele fica-se pelos contrários.

Características do apeiron

Vimos que Anaximandro depois de constatar várias coisas duvidou que uma coisa existente na ordem natural (realidade física), e em certa medida universal, com as características ou qualidades abaixo indicadas, pudesse ser o arché da physis:
Gerado – o originado por algo ou alguém
Físico - o relativo às condições ou leis da natureza, algo natural
Formado – o que vai adquirindo ou adquire uma forma
Sentido – o presente aos nossos sentidos e que os afecta. Daí associarmos a palavra ‘concreto’ ou a palavra ‘real’, será um objecto concreto, um objecto real. Sendo sentido é objecto da nossa experiência.
Definido – algo ao qual podemos atribuir um significado, algo em relação ao qual não temos dificuldade em atribuir um nome.
Limitado – o que tem limites espácio-temporais.
Determinado – aquilo para o qual podemos encontrar a sua determinação no espaço e no tempo.
Finito – o que tem um fim.
Perecível – o que é susceptível de deixar de existir.
À primeira vista parece que Anaximandro se enfoca numa delas, caso de “limitado”, mas tal não será bem assim. 
O ilimitado
Se o princípio não pode ter qualquer uma das características anteriores, então o arché terá que ser “o sem limites” (o ilimitado). A palavra que ele encontrou para esta proposta foi “apeiron”, palavra composta do prefixo a (sem) e pelo término “peiría” ou “peras”, que se traduz por limites, contornos, bordas, fronteiras ou extremidades.
Se é “o sem limites” tal transmite-nos a ideia que estamos focados em algo que é i-limitado; que não podemos definir, é in-definido; também não o podemos determinar, é in-determinado; não é como as coisas finitas que nos são presentes, é in-finito, ou seja, estende-se no espaço e no tempo muitíssimo para além do que a nossa imaginação possa conceber; é algo que não experimentamos pelos sentidos, não adquire uma forma real.

Acontece, porém, que ele não deixou uma explicação concreta sobre o que quer dizer com “o sem Limites”, o que gera larga controvérsia nos dias de hoje. Uma boa aproximação ao que ele entendia seria considerar o apeiron como:

Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 88

Um ponto foi sempre importante para o homem, o  qual se traduz pela seguinte pergunta:
Qual a origem das coisas que existem na natureza e proliferam pelo universo?
Mas, a insatisfação leva o homem a tornar a pergunta noutra mais complexa:
Haverá uma ordem ou lei comum que para além de originar, orienta e governa o natural e o humano?

Os filósofos gregos pré-socráticos, ou seja, os fisikói de Aristóteles, procuravam “o começo”ou “a origem” (“princípio”) de todas as coisas que existem.
Tales apresenta-nos a água como o elemento essencial e origem, mas não se questionou quanto ao como e ao porquê de todas as coisas se originarem ou derivarem de um princípio único.
Anaximandro procurou responder às questões levantadas. Assim, como Tales, procura a ordem comum e vem a defender a existência de um só primeiro princípio, elemento primordial e básico, que origina toda a realidade. Realidade tomada como todas as coisas que existem na natureza e proliferam pelo universo, todas as outras coisas para além do princípio, tudo o que vem a ser como fenómeno. No entanto, vai procurar dar mais inteligibilidade à proposta de Tales. Ele animou-se em encontrar uma explicação para o problema da mudança constante na realidade na continuidade do mundo. Parece que se originou em si uma crença relativamente a esse primeiro princípio, que procurou justificar, ou seja, apesar de ter proferido declarações apodícticas, pela primeira vez procurou argumentar sobre esse começo e sobre o cosmos, através de uma percepção bem dirigida e de uma abstracção que se estendia do sensível até ao inteligível. Por esse facto veio a ser apelidado de primeiro filósofo.
Os seus argumentos chegaram até aos nossos dias sobre a influência do pensamento aristotélico, segundo o pensamento de outros doxógrafos e através das interpretações dos mais diversos estudiosos da matéria. Reconstruir a sua argumentação é difícil, e pode levar a que se entre pelas malhas da conjectura. O que obriga a procurar efectuar uma análise cuidada das informações disponibilizadas, de modo a nos aproximarmos daquilo que os seus argumentos devem parecer.
Da justificação resultou o desenvolver de uma teoria do universo. É o primeiro a formular o conceito de uma lei universal que preside ao processo cósmico total. A sua teoria do universo assenta em dois pilares: o conceito apeiron e o conceito kósmos. Através destes conceitos procura dar uma explicação acerca da origem e funcionamento do universo. Para tal, conserva o grupo de transformações de Tales de umas formas noutras, não de um modo imediato, mas através da intermediação do apeiron.
O apeiron é envolvente do kósmos, espacial e temporalmente, constitui-se como a garantia da unidade metafísica do universo; e, é governante de tudo, porque é imortal e imperecível, ou seja é divino. Os dois conceitos podem ser compreendidos em alternância e em função um de outro. Isto é, o apeiron em função do kósmo (em que o kósmo se absorve no apeiron) e o kósmo em função do apeiron (em que o apeiron se subordina ou reduz ao kósmo). 
Ao colocar a questão fundamental e o seu desenvolvimento em termos de apeiron, versus Kósmo, ou vice-versa, em que a physis já não é a água, mas o apeiron, um princípio de outra natureza, uma unidade metafísica, faz dele o primeiro filósofo metafísico.
Na busca racional de encontrar o que permanece, Anaximandro não encontra o princípio numa natureza finita como a água, elemento que é derivado e previamente conhecido, matéria que é objecto da nossa experiência, visto que afecta os nossos sentidos. Pela mesma ordem de razões, não considera como sendo essa “essência” os elementos ar, terra, fogo, mas algo por trás dessa capa aparente, com o que realmente tem lugar. Se ele considerasse algum dos quatro elementos como princípio único originário, esse elemento tenderia, pela sua própria natureza, a eliminar e a destruir o seu contrário. Veja-se o caso do fogo. É ilógico pensar que dele pudesse surgir um elemento contrário, exemplo a água, visto que a observação mostra que ambos tendem a destruir-se.
E, como nós só conhecemos as formas particulares de “matéria” que emanam do princípio, concebe o princípio, a origem do real, como algo que não afecta os sentidos, não é objecto da nossa experiência, não será nenhum elemento particular previamente conhecido, nem nenhuma classe de matéria particular, será algo distinto, composto de uma matéria desconhecida, terá de ser de outra natureza. Ele propõe uma outra physis e um novo princípio, distintos dos de Tales.

Com originalidade vai postular o princípio, sobrepondo-o às coisas existentes.