De site Crítica, 18 De Setembro de 2004 • Epistemologia
Aparência e realidade
Bertrand Russell
Tradução de Desidério Murcho
5 páginas.
Este texto começa com uma pergunta.
Haverá algum conhecimento no mundo que seja tão certo que nenhum homem razoável possa dele duvidar?
A pergunta faz sobressair os seguintes termos:
Conhecimento, tomo-o como a faculdade de ter noção de, fazer ideias de.
Certo, subjaz a ideia do verdadeiro, o que é determinado.
Duvidar, leva-me para o estar convencido ou ter certezas de.
Uma reformulação possível da pergunta:
Haverá alguma ideia que seja tão verdadeira que dela não possamos duvidar?
Ou, ainda:
Uma coisa considerada existe?
Ou: Algo existe?
No nosso dia a dia aproximamo-nos das coisas, e muitas das vezes, criamos crenças ou preconceitos à acerca delas, não as valoramos, nem aprofundamos as relações de proximidade. Não atribuímos tempo ao deixar vir as coisas e fugimos da sua dissecação, no sentido de saber o que elas são, enquanto são. Não questionamos o nosso sentir?
Dessa experiência resulta conhecimento de cariz prático que utilizamos por necessidade. Esse conhecimento também pode ser o início da procura da certeza. Do senso comum partimos para o fundo do poço, ou para o cima do monte.
O texto tem subjacente um sistema constituído pelo “Eu”, a “relação directa” e a “coisa”. Onde não podemos descurar a subjectividade inerente ao “Eu”, as condições de proximidade da relação, os factores da coisa e o conjunto no seu todo. Se queremos procurar as coisas que são, enquanto são, isto é, aprofundar a natureza das coisas, isso leva-nos a um grande mergulho naquele conjunto, com calma e sem desesperos, tirando daí os frutos que se desejam.
Concentro-me na coisa próxima, dirijo-lhe os meus sentidos, segundo esta ou aquela direcção, atinjo-lhe a forma, e até penetro na sua substância. Eu sou receptor de impressões, sinto-as.
“Sensação, experiência de estar imediatamente ciente das coisas”.
Estabeleço uma ideia e creio nela. Mas, constato que ao ir mais fundo há sempre um item que falta. Duvido, já não é um querer com toda a certeza, mas antes o “parece-me” que ela é isto ou aquilo.
É hábito ajuizar sobre a materialidade das coisas, com base no que elas parecem ser, e não com base no que elas são. Pensamos que sentimos efectivamente as suas formas materiais, só que concebemos as suas formas aparentes a partir do que inferimos dos sentidos.
“Dados dos sentidos, coisas imediatamente conhecidas pela sensação”.
As coisas alteram-se constantemente ao longo do espaço-tempo, nomeadamente, quanto à forma e substância. Os sentidos não parecem dar-nos a verdade sobre a coisa em si, mas sobre a aparência dela.
A coisa, objecto físico no alcance do meu sentir, não é imediatamente conhecida por mim, é uma inferência do que é imediatamente conhecido.
“Não podemos descurar a relação entre os dados dos sentidos e os objectos. Para sabermos seja o que for dos objectos físicos tem de ser por meio dos sentidos, mas o objecto não é os dados dos sentidos, nem os dados dos sentidos são propriedades do objecto”.
Assim, termino por agora, espero voltar cá.
António Martins, no Porto, em 01.05.2010