sexta-feira, 28 de maio de 2010

O Príncipe, Maquiavel, Editoral Presença, 136 páginas.

Tudo se passa no séc. XV, durante o Renascimento. Nicolau Maquiavel ofereceu este livro a Lourenço de Médici, seu protector. Lourenço era um humanista, príncipe culto, sempre rodeado das altas figuras culturais da época, mas também preocupado com a defesa do seu principado, dada a instabilidade litigante entre estados vizinhos.
O livro versa a tomada, conservação, manutenção e defesa dos principados enquanto regimes absolutos. Nele dá conselhos, tendo como pano de fundo a experiência adquirida junto de diversos estados italianos. A partir desses conhecimentos desenvolveu as suas análises segundo aquele objectivo.
Algumas análises relativas à convivência entre o líder e os súbditos, e entre os estados, ficaram na memória.
Não nego que à época a minúcia do retrato fosse bastante útil a Lourenço, para a condução do seu principado.
Hoje muitas das situações estão ultrapassadas, nomeadamente, a qualidade do povo, a segmentação que se incrementou no sentido de conhecer as aspirações das pessoas, e a intenção cada vez maior de se incrementar a paz.
É sempre útil ler este livro.
António Martins, no Porto, 31.05.2010.

A Justiça é a conveniência do mais forte?

Sobre esta questão resumo pela importância, aquilo que achei por bem, sob a forma de apontamento.

A questão da arte:
Não possui imperfeição ou falha.
É incorruptível e pura.
Governa e domina aquele (a) a quem pertence.
Procura ou prescreve o que é mais vantajoso ao mais fraco, e ao que é governado por ela.
Não proporciona qualquer vantagem. O proveito advém da arte dos lucros que a acompanha a arte.

Do governante:
Um chefe não zela pela sua conveniência. Não examina ou prescreve o que lhe é vantajoso, mas o que é vantajoso aos seus subordinados ou súbditos, para os quais exerce a sua profissão.
Quem pretende exercer bem a sua arte jamais faz ou prescreve, no exercício da sua especialidade, o que é melhor para si mesmo, mas para o seu cliente.
Apelida-se de governante aquele que dá mais importância à sua arte e comando, do que à sua acção.
É uma vergonha ir voluntariamente para o poder, sem aguardar por tal necessidade.
Os homens de bem não governam por causa de proveitos porque não querem ser apelidados de mercenários, por exigirem de imediato salário, nem ladrões, por se terem aproveitado da sua posição.
Os bons vão para o poder, não como quem vai para tomar conta de um benefício e tirar gozo dele, mas como quem vai para uma necessidade.

Do governo:
Enquanto tal, tem por finalidade zelar pelo bem dos súbditos, públicos ou privados.
Não proporciona o que é útil a si mesmo, mas aos súbditos, logo quem o pratica deve usufruir de proveito da arte dos lucros que acompanha a arte ou governo.
Tem por alvo a conveniência do mais fraco, e não do mais forte.
Detém a força e estabelece as leis conforme a sua conveniência.
Promulga as leis e faz saber que é justo cumprir com o que lhes convém, quem não o fizer transgride, e é punido porque violaram a lei e cometeram injustiça.
Obedecer aos governantes é um acto de justiça. Um modelo de justiça: obedecer aos governantes.
Os governantes são falíveis e podem cometer erros, formulam umas leis bem, outras mal.
Prescrevem actos aos súbditos, por vezes enganam-se.
Não é justo cumprir o prescrito, mas é justo corrigir a lei rápida e oportunamente.

Da justiça:
O justo, homem bom e sábio, com a sua acção não quer exceder o seu semelhante, mas o que lhe é diverso e oposto.
O injusto, homem mau e ignorante, com a sua acção quer exceder o semelhante e o seu oposto.
A justiça é virtude e sabedoria, gera a concórdia e a amizade.
A injustiça é maldade e ignorância, vício ou coisa vergonhosa, produz as revoltas, os ódios e as contendas, incapacitando de empreender qualquer coisa em comum.
A justiça é mais forte que a injustiça.

Da injustiça:
A injustiça originando-se numa pessoa, ela perde a sua força, é incapaz de actuar, vive a revolta e a discórdia, tornando-se inimigo de si mesmo e dos outros.
Originando-se entre duas pessoas, elas ficam divididas, odientas e adversárias uma da outra e dos que são justos.
Originando-se numa entidade, incapacita-a de actuar consigo mesma, por dissensão e discordâncias no seu seio, tornando-se inimiga de si mesmo, de todos os que lhe são contrários e justos.

Da justiça de novo:
Os justos são sábios, melhores e capazes de actuar em conjunto. Têm uma vida melhor e são mais felizes.
A função de uma coisa é o que ela executa.
Tem uma virtude própria o que está encarregado de uma função.
A alma tem a sua virtude própria.
Uma alma boa governa e dirige bem.
A justiça é uma virtude da alma e a injustiça um defeito.
A alma justa e o homem justo vivem bem.
Os homens justos vivem bem, são felizes e virtuosos.
Nos injustos é o oposto.
A justiça é mais vantajosa.

Dou por terminado o pórtico.
Este livro, lido com calma e serenidade durante muitos dias, deu-me alento na reflexão sobre o momento presente. Ficou um grande apreço por Sócrates o Filósofo, segundo Platão. Espero cá voltar.

António Martins, no Porto, em 28.05.2010

segunda-feira, 24 de maio de 2010

“Dizer a verdade e restituir o que se tomou de alguém”.

Ler este livro é como cair na reflexão e sonhar com aqueles tempos, com as pessoas, com aquelas paisagens e cultura.  
Depois de o ler, a primeira conclusão que me ocorre é que “o visto” hoje, e por esta pessoa, é algo diferente “do visto” no passado, e por aquelas pessoas, com o devido respeito. O caminho proposto para chegar à verdade não pode ser descurado. O conceito de justiça actual é diferente do conceito naqueles tempos, embora o de hoje, pela evolução cultural, incorpore algo daquele.
Notei a não relevância do tempo na argumentação inscrita no diálogo. Tomando-o por base desenvolvo o que me ocorre dizer sobre o assunto.
Escamoteando a frase:
“Dizer a verdade” é expressar-se procurando a fidelidade aos factos, o que exige experiência, e como tal, aquisição de conhecimento.
“Restituir” significa devolver algo ou transferir coisa.
“Tomar” significa mudança de posse, definitiva ou temporária, por furto, empréstimo ou doação.
A transferência de algo associa-se ao conceito de confiança, tomada como a segurança adquirida por se crer em alguém ou alguma coisa.
“Aquilo que se tomou” tem duas acções implícitas de acordo com o tempo: O dar e o correspondente direito de receber, e o receber e o correspondente dever de entregar, num tempo acordado. Pressupõe duas pessoas: a que entrega e a que recebe.
Em diversas situações, e até certo ponto, aumenta a segurança, e por sua vez a confiança, o que leva alguém a entregar as coisas a outrem, por doação ou empréstimo. Alguém está seguro e é animado a dar crédito de parte da sua confiança adicionada ao seu bem. Entrega duas coisas que são suas: o bem e uma parte do seu nível de confiança.
Subjaz um trato entre um credor (o que tem a haver) e um devedor (o que deve, novo beneficiário), debaixo de certas condições, com uma certa durabilidade, onde se transfere um bem e um nível de confiança, de tal modo que as partes se sentem seguras, pelo equilíbrio de vantagens. Para conforto da segurança mútua, neste contrato reúnem-se as condições da transferência, de onde se destaca as características do bem, releva-se as condições das partes intervenientes, e introduz-se o tempo de vigência.
No furto dá-se a fuga ao trato, situação geradora de lesão, por quebra de confiança e por tempo indeterminado. Na doação, o novo beneficiário beneficia para sempre, de acordo com a sua vontade. No empréstimo, beneficia por tempo determinado.
Havendo um novo beneficiário que deve e um ex-beneficiário que tem a haver, a frase reescreve-se:
“Dizer a verdade e restituir a cada um o que se lhe deve”. Sumariamente: Justiça, é restituir o que se deve.
Na cultura mora a moral, segundo a qual se impõe um comportamento ético: ser bom, praticar o bem e ser justo. Amigo é o que parece ser honesto, e o é na realidade. O homem bom faz o bem a qualquer um. Ajuda e não prejudica amigo ou inimigo, conhecido ou desconhecido. Os bons são justos e incapazes de cometer injustiças. A acção do homem bom é fazer o bem a amigos e inimigos. Apesar destes imperativos, não se pode descurar que um hábil guardião da coisa é um hábil ladrão da mesma. De qualquer das formas, se quer ser bom terá que seguir a lei moral anteriormente focada.
Coloca-se a condição da pessoa, na transferência, isto é, falamos do grau de conhecimento ou de amizade. Na hipótese do credor estar privado de razão continua lícito a entrega do que se lhe deve, sendo lhe inconveniente ou não, por força do imperativo moral, fazer o bem. O ter ficado privado da razão constitui uma alteração substancial do trato, por alteração da condição da pessoa credora. Assim, não descurando o imperativo moral de entregar o que se deve, há que adequar a condições do trato e o tempo, de forma a consumar-se a restituição, de tal modo que se dissipe a inconveniência, cumprindo-se por esta via o imperativo de fazer o bem.
Completando com “o que nos foi confiado”.
“Dizer a verdade e restituir o que se tomou de alguém e que nos foi confiado”.
Se tomamos posse e aceitamos a guarda, assumimos o direito de posse e de fruição do bem, atribuímos utilidade ao bem, e procura-se o equilíbrio entre prejuízos e benefícios. Ficamos vinculados a duas obrigações ou deveres: o dever de conservar e a obrigação de restituir. Ao receber somos beneficiários de um valor de confiança que contribui para o nosso nível de segurança. Ao entregar o que se tomou e nos foi confiado salda-se os direitos e as obrigações em presença.
Se queremos estar seguros nesta e noutras acções, então: “é justo restituir a alguém o que se lhe deve e que nos foi confiado”. Até porque o uso do tempo de posse e fruição, para além de determinado de tempo limite, faz baixar a segurança própria.
Deixando a parte social e entrando na política…

segunda-feira, 10 de maio de 2010

A Republica de Platão, Tradução Maria Helena Pereira, 11ª Edição F.C.Gulbenkian,512 páginas

"O que é a justiça".

LI. Pórtico

Sócrates,
Trasímaco.

Nas primeiras páginas desenrola-se um diálogo informal de Sócrates com Céfalo, onde se releva a importância de ouvir os mais velhos, em busca de informação, tendo em conta que eles vão à frente no caminho da vida, e portanto, apresentam níveis de experiência mais elevados.
Para Céfalo muitos dos problemas das pessoas idosas, não resultam da velhice no seu todo, mas do carácter, sensatez e boa disposição que se fizeram evoluir ao longo da vida. Homens e mulheres dotados com essas virtudes terão uma vida menos penosa, inclusive na velhice.
A Velhice quando chega, tanto é para ricos como para pobres, eventualmente os ricos poderão a suportar melhor, mas não lhe escapam.
É na velhice que se faz o resumo da vida, e a valoração que atribuíamos aos bens já não é o mesmo. O importante é o ter a noção da valoração correcta do sentido de justiça que imprimimos à vida. Eleva-se a vida justa e santa. Admite-se que o apreço de ser dotado de riquezas para todo aquele que é comedido, prudente, que não mentiu, não ludibriou e nada ficou a dever, assim poderá morrer de consciência tranquila, apesar dos seus teres.
Os dois concordam com uma primeira definição de justiça: Dizer a verdade e restituir aquilo que se tomou de alguém. Esta primeira noção vai ser explorada no decurso do livro.
A partir desta definição inicia-se uma dialéctica, evidenciada num diálogo entre os interlocutores: Sócrates, o filósofo, e Trasímaco, o sofista. No diálogo sobressai a estratégia (comando), a taktité (pôr em ordem) e a maieutiké (arte de fazer dar à luz) de Sócrates, isto é, levar as mentes a tomar consciência daquilo que sabem implicitamente, a exprimi-lo e a julgá-lo.
Sócrates inicia o seu caminho admitindo nada saber sobre algo.
Utilizando com mestria perguntas directas e encadeadas, salpicadas ali e acolá de ironia.
Existe a intenção de passar do desconhecimento, ou desinformação, para a sabedoria, ou verdade. Desfazendo preconceitos. Destronando a retórica fortemente persuasiva, do uso correcto da linguagem, das frases feitas e bonitas. Procurando elevar a consciência daquilo que se sabe, exprimir os pensamentos e a julgá-los. Passo ante passo chega-se à sophia.
Todo este caminho é feito sem a recepção de onorários.

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sábado, 1 de maio de 2010

Utopia, Thomas More, Res Editora, 142 páginas

Atrasei-me devido a outras leituras mais profundas, e por excesso de trabalho.

Esta obra centra-se na cultura inglesa do século XVI. Moore viveu-a e sentiu os problemas da sociedade, capitaneada pelo rei autoritário Henrique XVIII.
Moore sonhou com uma sociedade justa, com uma nova organização económica, social e política, onde o dinheiro já não era motivo de orgulho e ganância.
Tudo se passa na ilha da Utopia, e quem nos relata o modo de funcionamento dessa sociedade, o modo de estar e sentir da população é um português, Rafael Hitlodeu.
Ele procurava uma sociedade com outra dignidade para o ser humano, a qual passava por um sentido mais colectivo, não individualista, não tanto classicista, onde a estrutura da sociedade visava a supressão das carência fundamentais do ser humano.
Soube bem esta leitura, deixou uns ossos para roer.

Como sempre hei-de voltar cá.
António Martins, no Porto, em 10.05.2010