quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 86

Anaximandro acreditava que existia um só princípio, a partir do qual todas as coisas são geradas e que ele estaria por trás da diversidade dos fenómenos.
Pela primeira vez, vai servir-se da palavra arché, que em grego significa ‘origem’ ou ‘começo’, para dar andamento à sua explicação.
Toma o arché da physis como a origem ou começo das coisas materiais. Dito de um modo mais aprofundado, toma-o como o primeiro princípio do mundo e de todas as coisas nele existentes.
Mas, não estava satisfeito, precisava de formular uma palavra que negasse todas as outras, porque até só o simples facto de a nomear transformaria o primeiro princípio numa coisa. 
A talhe de foice, vem à ideia que, actualmente, a palavra princípio pode assumir pelo menos dois significados: ‘o começo de algo’ ou ‘a regra que rege algo no seu existir’.
Servindo-se de uma percepção bem dirigida sobre o mundo físico e abstraindo-se dele, indo do sensível ao inteligível, concebe uma natureza metafísica que é o princípio e o suporte do mundo.
Com o seu pensamento passamos a ter uma ideia do princípio das coisas (primeira origem), da sua mobilidade (como se desenrolam) e do seu fim (morte ou retorno), de modo a termos uma noção sobre as mudanças constantes da realidade. Deixa-nos uma pista para aquilo que alimenta as coisas no seu existir e o que devem possuir para manter a sua vitalidade, isto é, pistas para as futuras noções que virão a ser desenvolvidas, como as noções de matéria, massa, energia e movimento, entre outras. Pelo que nos é dado aperceber, o que é compreensível, no seu pensamento não se faz a destrinça entre a ideia de matéria e a ideia de massa, como hoje se enuncia. Apesar disso, vai um pouco mais longe, dá-nos a indicação para a entrada nas coisas a caminho do seu fundamento, no sentido de encontrar, na sua constituição, os seus elementos mais ínfimos, no caso dele fica-se pelos contrários.
Ele acabou por encontrar a tal palavra que procurava. É a palavra apeiron, composta do prefixo a e pelo términos peiría ou peras que se traduz por limites, contornos, bordas, fronteiras, extremidades. Então, o apeiron será o sem limites,
A sua tese principal é o arché da physis é o apeiron.
Ao longo do tempo, Anaximandro foi constatando várias coisas, o que lhe permitiu chegar à conclusão que aquilo que permanece, para além de todas as coisas não pode ser algo finito, como já foi enunciado. Ele duvidou que uma coisa sujeita à ordem natural, e até aquelas que estão sujeitas à ordem universal, pudessem ser o arché da physis, com as características abaixo indicadas:
O gerado, o originado por algo ou alguém.
O físico, o relativo às condições ou regras da natureza, algo natural.
O formado, o que vai adquirindo ou adquire uma forma determinada.
O sentido, o que é presente aos nossos sentidos e os afecta.
O definido, algo ao qual podemos atribuir um significado, algo ao qual não temos dificuldade em atribuir um nome.
O limitado, o que tem limites espácio-temporais.
O determinado, aquilo para o qual podemos encontrar a sua determinação no espaço e no tempo.
O finito, o que tem um fim.
O perecível, o que é susceptível de deixar de existir.

À primeira vista parece que ele se inclina para uma delas em exclusivo, caso de limitado, mas tal não é bem assim. 

Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 85

Lendo outros relatos de outros doxógrafos: 
Relato de Pseudo - Plutarco (relativo a Plutarco, séc. I e II d.C.)
“… Anaximandro que foi companheiro de Tales, disse que o apeiron continha a causa inteira da origem e destruição do mundo, de que, segundo ele, os céus estão separados e, em geral, todos os mundos, que são apeirous (inumeráveis).
Ele declarou que a destruição e muito antes a geração acontecem desde idades infinitas, pois todas ocorrem em ciclos”. 
Relato de Hipólito de Roma (séc. II e III d.C.)
“Ora, Anaximandro de Mileto, …, disse que o princípio e elemento das coisas que existem era o apeiron, tendo sido ele o primeiro a usar este nome do princípio material. (Além disso, disse que o movimento era eterno, do que resulta que se originem os céus). … ele disse que o princípio material das coisas que existem era uma natureza do apeiron, de que provêm os céus e o mundo neles contidos.
Esta natureza é eterna e não envelhece, e também circunda todos os mundos.
Ele fala do tempo como se a geração, a existência e a destruição fossem limitadas.
(Ele fala do tempo …)”.
"… O divino é que não tem origem nem fim … "
Relato de Diógenes Laércio (? séc. III d.C.)
“Anaximandro … dizia que o princípio e elemento é o indefinido, sem distinguir o ar, ou a água ou outra coisa …”
Relato de Simplício (séc. V e VI d.C.) (DK 12 B 1) 103 A
“Entre os que admitem um só princípio móvel e infinito, Anaximandro de Mileto, …, disse que o princípio, e elemento das coisas que existem, era o apeiron (indefinido e infinito), tendo sido ele o primeiro a usar este nome do princípio material. Diz ele que não é a água, nem qualquer outro dos chamados elementos, mas uma natureza apeiron, de que provêm todos os céus e os mundos neles contidos.
E, a fonte da geração das coisas que existem é aquela em que se verifica também a destruição segundo a necessidade; pois paguem castigo e retribuição uns aos outros, pelas suas injustiças, de acordo com o decreto do tempo, conforme ele se exprime nestes termos um tanto poéticos”.


O que é Anaximandro poderá ter constatado e que o levou a caminhar num determinado sentido?
Anaximandro foi um homem atento à realidade que o circundava e sentia-se envolvido por ela.
Perante a continuidade do evoluir constata que ocorrem mudanças constantes da realidade, visto que ocorrem períodos de instabilidade seguidos de estabilidade, e não desviava a sua atenção ao sequenciar cíclico dos fenómenos.
O homem vê-se perante a multiplicidade (abundância), pluralidade (grande número) e a diversidade (variedade) das coisas existentes e dos respectivos fenómenos.
Ele apercebeu-se que as coisas, e os seus fenómenos, com que se confrontava seguem uma ordem ou lei, -Ordem Natural, onde se inclui a ordem humana. Contudo, dirige a sua atenção ainda para mais longe, ou seja, para a ordem universal que rege as coisas que proliferam pelo universo.
Verificou que tais coisas:
-Não se manifestam sempre do mesmo modo e cada uma tem o seu próprio tipo de manifestação.
-São passíveis de serem sentidas (objectos da nossa experiência).
-Têm a tendência para a transformação umas nas outras.
A terra absorve a água da chuva. A água apaga o fogo, acabando por desaparecer os dois. O fogo aquece a água e gera-se vapor.
-As sua propriedades ou qualidades:
Sucumbem ao longo do tempo (morte).
Tudo o que nasce um dia vai morrer (geração e morte).
As coisas estão fadadas a desaparecer (retorno ou morte).
Tudo o que é quente acaba por esfriar (variação de estado e dualidade).
Tudo o que é grande pode ser dividido em partes mais pequenas (divisibilidade).
Todas as coisas são limitadas e usufruem do direito de lugar (limitação e determinação)
As coisas são susceptíveis de se deslocarem (mobilidade).

As coisas estão sujeitas à lei do destino e da justiça (tempo).
Mas, o seu interesse em indagar a physis leva-o a notar mais situações.
Tudo o que se manifesta na natureza o faz de forma dual: dia e noite, masculino e feminino, positivo e negativo, vida e morte, calor e frio, seco e húmido, claro e escuro, etc.
O ar é frio, a água é húmida, e o fogo é quente. Frio, húmido e quente são qualidades dos elementos antagónicas entre si. Cada uma das coisas tem um oposto. O oposto da água é o seco. Portanto, os elementos possuem atributos definidos e actuam em oposição uns aos outros.
Acerca da água:
Os processos de condensação e rarefacção da água exigiam um principio transformador.
A água nas diversas transformações não permanece sempre igual a si mesma.
Do elemento fogo não pode surgir um elemento contrário como a água, porque a observação mostra que eles tendem a destruir-se mutuamente.
O que se enuncia fá-lo duvidar da possibilidade da água, por si mesma, poder pôr-se em movimento e transformar-se em todas as coisas.
Questionou-se:
Como é que da água se pode produzir a pluralidade do mundo?
Neste mundo se estabelece o finito, o perecível, o gerado, o sentido, o limitado, o formado, o determinado, o físico, o real, o concreto.  
Acaba por reter o seguinte pensamento:
Sem injustiça, o limitado não pode ser a origem. O que permanece para além de todas as coisas não pode ser algo finito.
Em suma, ele estava atento às coisas naturais e às que proliferam pelo universo, e aos respectivos fenómenos. Mas, para ele, as ocorrências eram carentes de uma explicação mais profunda. Era sua preocupação encontrar uma explicação para o mundo e para todas as coisas nele existentes.


Mundo empírico é o mundo que permite adquirir, sistematizar e certificar a nossa experiência, através das muitas coisas com que somos presenteados. Essas coisas afectam os nossos sentidos e causam admiração, elas são os objectos da nossa experiência. Essa afectação é devida ao facto de as coisas se manifestarem enquanto fenómenos. O reconhecimento da manifestação, da afectação e da admiração por elas causada, leva-nos a afirmar que elas acontecem e existem. Neste circunstancialismo, a natureza é física, os objectos são concretos ou reais, e o mundo é uma realidade não oculta. Ao dizer que este mundo é uma realidade que não é oculta, estamos já a dar indicação quanto à possibilidade de existência de uma realidade oculta, que bem pode andar a par da realidade física, e sobrepor a essa realidade, até porque os nossos sentidos não são assim tão avantajados e podem nos enganar.   





























































































































































quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Metafísica de Anaximandro - MD - Momento 84

Relatos de Aristóteles (séc. IV a.C.)

Relato no De Caelo
“De facto alguns supõem que existe uma única substância, e essa supõem-na como a água, outros como o ar, outros como o fogo, outros como sendo mais subtil que a água e mais densa que o ar; é ela segundo dizem, que circunda todos os céus, por ser infinita”.   
Relato na Gen. e Corr.
“Não há um só destes elementos (ar, água, fogo e terra) de que derivem todas as coisas; e não há certamente nenhum outro além destes, algo intermediário entre o ar e água, ou entre o ar e o fogo, que seja mais denso que o ar e o fogo, e mais subtil que os demais; pois isso será, simplesmente ar e fogo como oposição dos contrários; mas uma das qualidades contrárias é a privação – de modo que é impossível ao elemento intermédio existir isolado, como pretendem alguns pensadores a respeito do infinito e do circundante”. 
Relato
“Todos os que se ocuparam da natureza fazem do infinito propriedade de outra natureza que pertence aos chamados elementos, como a água ou o ar ou o seu intermediário”.
Relato na Física
“Dois tipos de explicação são dados pelos físicos. Os que fizeram de um corpo subsistente uma unidade, que é um dos três elementos ou um outro que é mais denso que o fogo e mais subtil do que o ar, geram o resto por condensação e rarefacção, fazendo assim a pluralidade dos seres … Mas, outros dizem que os contrários se separam do Uno, estando presentes nele, como dizem Anaximandro e todos os que admitem a unidade e a multiplicidade, como Empédocles e Anaxágoras; pois estes também separam todo o resto da mistura”.
Relato na Física
“Contudo, nem um corpo infinito pode ser uno e simples, quer seja como afirmam alguns, aquilo que existe à margem dos elementos, e de onde os fazem sair, quer ele seja expresso simplesmente.
Pois alguns há que fazem infinito o que existe fora dos elementos, não o ar, ou a água, para que o resto seja destruído pela substância infinita destes; é que os elementos opõem-se uns aos outros (o ar é frio, a água é húmida e o fogo é quente), e se um desses elementos fosse infinito o resto já teria sido destruído.
Mas, nestas condições, eles dizem que o infinito é diferente desses elementos e que provêm dele”.
Relato na Física
“A crença na existência do infinito resultante na maioria dos casos, para os que consideram o assunto, de cinco factores … demais, porque só assim a geração e a destruição não deixariam de se verificar, se houvesse uma fonte infinita de onde provém o que é gerado”.   
Relato na Física
“Nem, para que a geração não deixe de se verificar, é necessário a um corpo perceptível ser efectivamente infinito; pois é possível que, sendo limitado o total das coisas, a destruição de uma seja a geração de outra”.
Relato na Física
“ … não há princípio do infinito … mas é ele que parece ser o princípio das outras coisas, e envolve-as e dirige-as a todas, conforme dizem os que não admitem outras causas, como a inteligência e o amor, acima e além do infinito. E, é isto o divino, por ser imortal e indestrutível, como dizem Anaximandro e a maioria dos fisiólogos”.
Relato na Física
"Tudo tem uma origem ou é uma origem, o Sem Limites não tem origem, … terá um limite … é tanto por não nascer e por ser imortal, sendo uma espécie de origem. Pois o que se tornou tem também, necessariamente, um fim, e não há uma terminação para cada processo de destruição".
Crítica de Aristóteles
Aristóteles nos seus relatos descreve as possíveis ideias de Anaximandro, umas vezes não se refere explicitamente a ele, noutras menciona-o mesmo, noutras ainda descreve ideias dos fisikói. Ao lê-los ficamos com a sensação que teve na sua presença escritos (papiros) de Anaximandro, o que não será de todo incorrecto, tendo em conta que ele foi um bom bibliotecário na escola platónica e depois no seu próprio liceu. Aliás, li-a e discutia bastante os documentos que se encontravam ao seu alcance. Também ficamos com a ideia de que Aristóteles não concordava em absoluto com “a ideia de apeiron” de Anaximandro. Talvez, já tivesse em mente a sua própria metafísica. O que os relatos demonstram é que Aristóteles, em certa medida, é influenciado por Anaximandro e pelos fisikói na construção do seu pensamento metafísico, não deixando de ir mais longe com o seu propósito.
Crítica de Aristóteles à ideia de apeiron:
-Parece argumentar que “o sem limites” não tem origem porque é em si a origem. Depois avança que terá um limite, o que não deixa de ser uma contradição.
-Seria uma substância material como os outros elementos e estabelece-o como um elemento intermediário entre os elementos, mais subtil que a água e mais densa que o ar.
-Parece refutar a ideia de que o apeiron seria um elemento à margem dos outros elementos.
-Apesar do que foi dito, indicia que seria algo nebuloso, uma espécie de mistura ou mescla confusa de elementos, que muda de forma com frequência, seria uma espécie de caos.
-Na questão “infinito” apresenta uma posição discordante:
Parece do que lhe foi transmitido que entendeu que o gerado (corpo perceptível) era efectivamente infinito, e não detentor de resquícios do infinito.
Como os elementos se opõem uns aos outros (o ar é frio, a água é húmida e o fogo é quente), se um desses elementos fosse infinito todas as outras coisas já teriam sido destruídas.
-Não deixa de ser crítico quanto à concepção de geração de Anaximandro. Avança com a ideia de que não uma terminação para cada processo de destruição.

-Para o apeiron ser divino, apesar de ser imortal e indestrutível, necessitaria de ter mais dois atributos: a inteligência e o amor. Claro que, Anaximandro não poderia deter a noção de espírito de Aristóteles que gera, envolve e coordena todas as coisas existentes.