segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Humano Demasiado Humano de Nietzsche

É sempre com muita alegria que se adquire o livro desejado.
Foram seis meses de espera.
Todo este tempo de paragem  valeu a pena, torna tudo mais saboroso.
Entregar o dinheiro e recebê-lo foi importante.
Agora é preciso lê-lo e enquadrá-lo em tudo o que está para trás.
...

António Martins, 13.06.2011

segunda-feira, 28 de junho de 2010

A Origem da Tragédia de Nietzsche, Lisboa Editora, 288 páginas.


Amigo, como diz Fink, tens a mania de incendiar tudo à tua volta. Estejas, ou não, lá onde estiveres, não achas que a tua cosmovisão sofre de dois erros crassos. Olha cá para baixo, retira completamente o teu Véu de Maia e deixa-te de ressentimentos, porque os tens.
Então, a tua mente é capaz de traçar uma teoria que defende uma minoria de detentores de máxima potência, muitas vezes sonegada camufladamente à imensa maioria de sofridos, porque tal está de acordo com a sabedoria trágica, e todos os outros, a grande parte da humanidade, são uma cambada de diminuídos, onde alguns deles nem teriam direito a viver. Dividir a espécie entre fortes e fracos em potência é um erro. E manter aleijados com a cabeça no bolso na condução da humanidade é uma estupidez.
Por outro lado, esqueceste-te de dissertar sobre qual a origem dos quanta de poder que abundam em diversidade e quantidade no cosmos.
Desculpa lá, mas nestas metes-te água por todos os lados.
***


As duas afirmações acima podem ser incoerentes. À primeira vista elas são próprias de um arruaceiro! Olhando de viés e penetrando no dito as dúvidas têm outra coloração. A leitura de certos e determinados aforismos e metáforas impulsionam a expressão livre, o pôr cá fora as dúvidas. Dos mesmos decorre a abertura às perspectivas. Um só instrumento de trabalho de Nietzsche equipara-se a uma via com várias pistas, onde abundam cruzamentos e entroncamentos. Todos eles são autênticos labirintos. Todos eles funcionam como os martelinhos de um piano de cauda, ora percorrendo as cordas intensamente, ora tocando-lhes levemente. No decorrer deste processo, a estridência estilhaça o vidro opaco e temperado que nos envolve, caindo compassadamente cada um dos estilhaços ao chão. Por entre cada fresta surge algo diferente. A realidade é limpa. Fica um novo olhar sobre o mundo e as coisas. A sua obra é uma grande porta de difícil acesso.
Um dos seus alertas é o poder da linguagem, desenhos e sons que criamos para reproduzir o trabalho da mente, depois da experiência da vida. Ela não é directamente decorrente da vida. A vida está, percepcionam-se partes, trabalha-se essa informação, criam-se rótulos e verbalizam-se ideias, desde o estar até ao dizer vai um longo caminho…
 ***
 Ele estabelece a sua concepção filosófica a partir da vida.
Esta obra (OT) tem muitos caminhos por trás dela, um deles aponta a cosmovisão do autor, nomeadamente, os seus conceitos de pulsão e potência.  
Munido da filologia, do seu gosto pela literatura clássica, pela influência das pesquisas que encetou sobre os pensadores pré-socráticos, e por ter feito da filosofia uma amante, descobre o trabalho artístico de um povo ao longo dos tempos. Colocaram-se-lhe perguntas: como vivia o povo Grego (?), como variava o seu estado emocional no tempo (?), quais as forças decorrentes da vida que são causadoras dessas variações (?). Como fazer do sofrimento uma força (?), ….
Nesta primeira viagem, um Nietzsche germânico transforma-se num latino frontal, emocionante e empolgante. As suas tochas iluminam-se com o fogo (Fink) e percorre-se um mar imenso (Lourenço) … 
***
Uma pulsão A, designada “do Disforme”, é dotada de uma potência x, localiza-se em oposição e nas proximidades da pulsão B - (Ex: Impulsos dionisíacos, ou o capital intelectual e pecuniário de um homem).
Uma pulsão B, designada “da Forma”, é dotada de uma potência Y, localiza-se em oposição e nas proximidades da pulsão A – (Ex: Impulsos Apolíneos, ou o capital intelectual e pecuniário de outro homem).
Conjugam-se as vontades de poder numa época.
Resulta um corpo (uma estrutura) – (Ex: Tragédia Ática, ou uma instituição).
Repousando um olhar sobre o cosmos, ele é o habitáculo de muitas estruturas, então, ele é o habitáculo de diversas e variadas pulsões.
Quem originou os primeiros quanta de poder surgidos no universo?
De outro modo: “o originário” é, ou não, a relação entre pulsões?
Nietzsche inclina-se para a relação, partindo das aparências percepcionadas, desde aí desenvolve o seu pensamento.
Um físico diria eles são fruto do big-bang, continuando a sua procura através de um acelerador de partículas; um crente diria Deus, continuando a incrementar e a aplicar a sua crença; um filósofo profundamente optimista, e porque não (?), dotado de sabedoria trágica, diria: “temos que procurar por tempo indefinido os fundamentos”… 
***
Enquanto adolescente primava Kant e Sartre.
No secundário dos miúdos aparece O Nietzsche e a sua Origem da Tragédia, segundo o espírito da música, tradução do Luís Lourenço. Cada miúdo, e miúda, tinha como complemento uma análise à obra.  
A primeira leitura do livro teve em conta o cumprir de uma obrigação. Pousei o livro e dois pontos imanentes ficaram na mente. Andei por outros caminhos. Um dia leio passos de Giacomelli. Senti-me impelido a ler segunda vez a “Tragédia”, notei que à medida que percorria a obra, os meus fluxos mentais variavam de intensidade, entre máximos de excitação e mínimos pacificadores. Ela suscitava uma variação de tenção entre os pontos referidos, a mente oferecia uma resistência insistente. Assim, passei por vários sentimentos, instalaram-se emoções e atingi paixões…

PS: Com muita saudade, dedico ao "Rato" o escrito e o omitido. A ele devo o facto de me ter apresentado e fomentado a curiosidade há cinquenta anos.
 
António Martins, no Porto, em 15.12.2010.
 






terça-feira, 1 de junho de 2010

“Homem Medíocre” de José Ingenieros, Consciência on-line, 103 páginas.

José foi um filósofo de origem italiana e argentino por adopção. Dedicou-se ao estudo da psicologia, sociologia e política. Foi professor da Universidade de Buenos Aires, primeiro da faculdade de medicina e depois da de filosofia. Era querido dos seus alunos.
Na sua fase inicial foi um digno representante do positivismo.
Foi um dos fundadores do Socialismo na Argentina. Veio a aderir ao ideal comunista e participou na luta conta o imperialismo.
Mais tarde, depois de constatar o que era o socialismo de estado, torna-se simpatizante do ideal anarquista.
Morre muito novo.
Em face do que li neste livro que testemunha a sua elevada cultura, a sua morte prematura interrompeu o percurso de um grande génio da humanidade.
O primeiro parágrafo desta obra é um alerta bem delimitado para alguns, e simultaneamente, um hino grandioso que nos atira para o seu interior. Caixa onde os nossos sentimentos, paixões e comportamentos são analisados insistentemente, reconduzindo-nos à mudança, no sentido da rectidão suprema enquanto pares da relação social.
Ao longo da obra, de onde destaco um percurso da originalidade à mediocridade e da mediocridade à inferioridade mental, ou da juventude à idade avançada, vai-nos nos revelando o homem medíocre, com rotinas no cérebro e preconceitos no coração.
Do ideal ao génio, desenvolve diversos conceitos como o “mérito” e a “meritocracia”, “medíocre” e “ mediocracia”, passando pela vaidade, a inveja, a avareza, a dignidade, a coragem, a cultura e a velhice, entre outras questões.
Uma leitura entusiasmante de onde resultaram ideias e acréscimos a outras já existentes.
Ao livro digo até breve.


António Martins, no Porto, em 28.06.2010

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O Príncipe, Maquiavel, Editoral Presença, 136 páginas.

Tudo se passa no séc. XV, durante o Renascimento. Nicolau Maquiavel ofereceu este livro a Lourenço de Médici, seu protector. Lourenço era um humanista, príncipe culto, sempre rodeado das altas figuras culturais da época, mas também preocupado com a defesa do seu principado, dada a instabilidade litigante entre estados vizinhos.
O livro versa a tomada, conservação, manutenção e defesa dos principados enquanto regimes absolutos. Nele dá conselhos, tendo como pano de fundo a experiência adquirida junto de diversos estados italianos. A partir desses conhecimentos desenvolveu as suas análises segundo aquele objectivo.
Algumas análises relativas à convivência entre o líder e os súbditos, e entre os estados, ficaram na memória.
Não nego que à época a minúcia do retrato fosse bastante útil a Lourenço, para a condução do seu principado.
Hoje muitas das situações estão ultrapassadas, nomeadamente, a qualidade do povo, a segmentação que se incrementou no sentido de conhecer as aspirações das pessoas, e a intenção cada vez maior de se incrementar a paz.
É sempre útil ler este livro.
António Martins, no Porto, 31.05.2010.

A Justiça é a conveniência do mais forte?

Sobre esta questão resumo pela importância, aquilo que achei por bem, sob a forma de apontamento.

A questão da arte:
Não possui imperfeição ou falha.
É incorruptível e pura.
Governa e domina aquele (a) a quem pertence.
Procura ou prescreve o que é mais vantajoso ao mais fraco, e ao que é governado por ela.
Não proporciona qualquer vantagem. O proveito advém da arte dos lucros que a acompanha a arte.

Do governante:
Um chefe não zela pela sua conveniência. Não examina ou prescreve o que lhe é vantajoso, mas o que é vantajoso aos seus subordinados ou súbditos, para os quais exerce a sua profissão.
Quem pretende exercer bem a sua arte jamais faz ou prescreve, no exercício da sua especialidade, o que é melhor para si mesmo, mas para o seu cliente.
Apelida-se de governante aquele que dá mais importância à sua arte e comando, do que à sua acção.
É uma vergonha ir voluntariamente para o poder, sem aguardar por tal necessidade.
Os homens de bem não governam por causa de proveitos porque não querem ser apelidados de mercenários, por exigirem de imediato salário, nem ladrões, por se terem aproveitado da sua posição.
Os bons vão para o poder, não como quem vai para tomar conta de um benefício e tirar gozo dele, mas como quem vai para uma necessidade.

Do governo:
Enquanto tal, tem por finalidade zelar pelo bem dos súbditos, públicos ou privados.
Não proporciona o que é útil a si mesmo, mas aos súbditos, logo quem o pratica deve usufruir de proveito da arte dos lucros que acompanha a arte ou governo.
Tem por alvo a conveniência do mais fraco, e não do mais forte.
Detém a força e estabelece as leis conforme a sua conveniência.
Promulga as leis e faz saber que é justo cumprir com o que lhes convém, quem não o fizer transgride, e é punido porque violaram a lei e cometeram injustiça.
Obedecer aos governantes é um acto de justiça. Um modelo de justiça: obedecer aos governantes.
Os governantes são falíveis e podem cometer erros, formulam umas leis bem, outras mal.
Prescrevem actos aos súbditos, por vezes enganam-se.
Não é justo cumprir o prescrito, mas é justo corrigir a lei rápida e oportunamente.

Da justiça:
O justo, homem bom e sábio, com a sua acção não quer exceder o seu semelhante, mas o que lhe é diverso e oposto.
O injusto, homem mau e ignorante, com a sua acção quer exceder o semelhante e o seu oposto.
A justiça é virtude e sabedoria, gera a concórdia e a amizade.
A injustiça é maldade e ignorância, vício ou coisa vergonhosa, produz as revoltas, os ódios e as contendas, incapacitando de empreender qualquer coisa em comum.
A justiça é mais forte que a injustiça.

Da injustiça:
A injustiça originando-se numa pessoa, ela perde a sua força, é incapaz de actuar, vive a revolta e a discórdia, tornando-se inimigo de si mesmo e dos outros.
Originando-se entre duas pessoas, elas ficam divididas, odientas e adversárias uma da outra e dos que são justos.
Originando-se numa entidade, incapacita-a de actuar consigo mesma, por dissensão e discordâncias no seu seio, tornando-se inimiga de si mesmo, de todos os que lhe são contrários e justos.

Da justiça de novo:
Os justos são sábios, melhores e capazes de actuar em conjunto. Têm uma vida melhor e são mais felizes.
A função de uma coisa é o que ela executa.
Tem uma virtude própria o que está encarregado de uma função.
A alma tem a sua virtude própria.
Uma alma boa governa e dirige bem.
A justiça é uma virtude da alma e a injustiça um defeito.
A alma justa e o homem justo vivem bem.
Os homens justos vivem bem, são felizes e virtuosos.
Nos injustos é o oposto.
A justiça é mais vantajosa.

Dou por terminado o pórtico.
Este livro, lido com calma e serenidade durante muitos dias, deu-me alento na reflexão sobre o momento presente. Ficou um grande apreço por Sócrates o Filósofo, segundo Platão. Espero cá voltar.

António Martins, no Porto, em 28.05.2010

segunda-feira, 24 de maio de 2010

“Dizer a verdade e restituir o que se tomou de alguém”.

Ler este livro é como cair na reflexão e sonhar com aqueles tempos, com as pessoas, com aquelas paisagens e cultura.  
Depois de o ler, a primeira conclusão que me ocorre é que “o visto” hoje, e por esta pessoa, é algo diferente “do visto” no passado, e por aquelas pessoas, com o devido respeito. O caminho proposto para chegar à verdade não pode ser descurado. O conceito de justiça actual é diferente do conceito naqueles tempos, embora o de hoje, pela evolução cultural, incorpore algo daquele.
Notei a não relevância do tempo na argumentação inscrita no diálogo. Tomando-o por base desenvolvo o que me ocorre dizer sobre o assunto.
Escamoteando a frase:
“Dizer a verdade” é expressar-se procurando a fidelidade aos factos, o que exige experiência, e como tal, aquisição de conhecimento.
“Restituir” significa devolver algo ou transferir coisa.
“Tomar” significa mudança de posse, definitiva ou temporária, por furto, empréstimo ou doação.
A transferência de algo associa-se ao conceito de confiança, tomada como a segurança adquirida por se crer em alguém ou alguma coisa.
“Aquilo que se tomou” tem duas acções implícitas de acordo com o tempo: O dar e o correspondente direito de receber, e o receber e o correspondente dever de entregar, num tempo acordado. Pressupõe duas pessoas: a que entrega e a que recebe.
Em diversas situações, e até certo ponto, aumenta a segurança, e por sua vez a confiança, o que leva alguém a entregar as coisas a outrem, por doação ou empréstimo. Alguém está seguro e é animado a dar crédito de parte da sua confiança adicionada ao seu bem. Entrega duas coisas que são suas: o bem e uma parte do seu nível de confiança.
Subjaz um trato entre um credor (o que tem a haver) e um devedor (o que deve, novo beneficiário), debaixo de certas condições, com uma certa durabilidade, onde se transfere um bem e um nível de confiança, de tal modo que as partes se sentem seguras, pelo equilíbrio de vantagens. Para conforto da segurança mútua, neste contrato reúnem-se as condições da transferência, de onde se destaca as características do bem, releva-se as condições das partes intervenientes, e introduz-se o tempo de vigência.
No furto dá-se a fuga ao trato, situação geradora de lesão, por quebra de confiança e por tempo indeterminado. Na doação, o novo beneficiário beneficia para sempre, de acordo com a sua vontade. No empréstimo, beneficia por tempo determinado.
Havendo um novo beneficiário que deve e um ex-beneficiário que tem a haver, a frase reescreve-se:
“Dizer a verdade e restituir a cada um o que se lhe deve”. Sumariamente: Justiça, é restituir o que se deve.
Na cultura mora a moral, segundo a qual se impõe um comportamento ético: ser bom, praticar o bem e ser justo. Amigo é o que parece ser honesto, e o é na realidade. O homem bom faz o bem a qualquer um. Ajuda e não prejudica amigo ou inimigo, conhecido ou desconhecido. Os bons são justos e incapazes de cometer injustiças. A acção do homem bom é fazer o bem a amigos e inimigos. Apesar destes imperativos, não se pode descurar que um hábil guardião da coisa é um hábil ladrão da mesma. De qualquer das formas, se quer ser bom terá que seguir a lei moral anteriormente focada.
Coloca-se a condição da pessoa, na transferência, isto é, falamos do grau de conhecimento ou de amizade. Na hipótese do credor estar privado de razão continua lícito a entrega do que se lhe deve, sendo lhe inconveniente ou não, por força do imperativo moral, fazer o bem. O ter ficado privado da razão constitui uma alteração substancial do trato, por alteração da condição da pessoa credora. Assim, não descurando o imperativo moral de entregar o que se deve, há que adequar a condições do trato e o tempo, de forma a consumar-se a restituição, de tal modo que se dissipe a inconveniência, cumprindo-se por esta via o imperativo de fazer o bem.
Completando com “o que nos foi confiado”.
“Dizer a verdade e restituir o que se tomou de alguém e que nos foi confiado”.
Se tomamos posse e aceitamos a guarda, assumimos o direito de posse e de fruição do bem, atribuímos utilidade ao bem, e procura-se o equilíbrio entre prejuízos e benefícios. Ficamos vinculados a duas obrigações ou deveres: o dever de conservar e a obrigação de restituir. Ao receber somos beneficiários de um valor de confiança que contribui para o nosso nível de segurança. Ao entregar o que se tomou e nos foi confiado salda-se os direitos e as obrigações em presença.
Se queremos estar seguros nesta e noutras acções, então: “é justo restituir a alguém o que se lhe deve e que nos foi confiado”. Até porque o uso do tempo de posse e fruição, para além de determinado de tempo limite, faz baixar a segurança própria.
Deixando a parte social e entrando na política…

segunda-feira, 10 de maio de 2010

A Republica de Platão, Tradução Maria Helena Pereira, 11ª Edição F.C.Gulbenkian,512 páginas

"O que é a justiça".

LI. Pórtico

Sócrates,
Trasímaco.

Nas primeiras páginas desenrola-se um diálogo informal de Sócrates com Céfalo, onde se releva a importância de ouvir os mais velhos, em busca de informação, tendo em conta que eles vão à frente no caminho da vida, e portanto, apresentam níveis de experiência mais elevados.
Para Céfalo muitos dos problemas das pessoas idosas, não resultam da velhice no seu todo, mas do carácter, sensatez e boa disposição que se fizeram evoluir ao longo da vida. Homens e mulheres dotados com essas virtudes terão uma vida menos penosa, inclusive na velhice.
A Velhice quando chega, tanto é para ricos como para pobres, eventualmente os ricos poderão a suportar melhor, mas não lhe escapam.
É na velhice que se faz o resumo da vida, e a valoração que atribuíamos aos bens já não é o mesmo. O importante é o ter a noção da valoração correcta do sentido de justiça que imprimimos à vida. Eleva-se a vida justa e santa. Admite-se que o apreço de ser dotado de riquezas para todo aquele que é comedido, prudente, que não mentiu, não ludibriou e nada ficou a dever, assim poderá morrer de consciência tranquila, apesar dos seus teres.
Os dois concordam com uma primeira definição de justiça: Dizer a verdade e restituir aquilo que se tomou de alguém. Esta primeira noção vai ser explorada no decurso do livro.
A partir desta definição inicia-se uma dialéctica, evidenciada num diálogo entre os interlocutores: Sócrates, o filósofo, e Trasímaco, o sofista. No diálogo sobressai a estratégia (comando), a taktité (pôr em ordem) e a maieutiké (arte de fazer dar à luz) de Sócrates, isto é, levar as mentes a tomar consciência daquilo que sabem implicitamente, a exprimi-lo e a julgá-lo.
Sócrates inicia o seu caminho admitindo nada saber sobre algo.
Utilizando com mestria perguntas directas e encadeadas, salpicadas ali e acolá de ironia.
Existe a intenção de passar do desconhecimento, ou desinformação, para a sabedoria, ou verdade. Desfazendo preconceitos. Destronando a retórica fortemente persuasiva, do uso correcto da linguagem, das frases feitas e bonitas. Procurando elevar a consciência daquilo que se sabe, exprimir os pensamentos e a julgá-los. Passo ante passo chega-se à sophia.
Todo este caminho é feito sem a recepção de onorários.

...




sábado, 1 de maio de 2010

Utopia, Thomas More, Res Editora, 142 páginas

Atrasei-me devido a outras leituras mais profundas, e por excesso de trabalho.

Esta obra centra-se na cultura inglesa do século XVI. Moore viveu-a e sentiu os problemas da sociedade, capitaneada pelo rei autoritário Henrique XVIII.
Moore sonhou com uma sociedade justa, com uma nova organização económica, social e política, onde o dinheiro já não era motivo de orgulho e ganância.
Tudo se passa na ilha da Utopia, e quem nos relata o modo de funcionamento dessa sociedade, o modo de estar e sentir da população é um português, Rafael Hitlodeu.
Ele procurava uma sociedade com outra dignidade para o ser humano, a qual passava por um sentido mais colectivo, não individualista, não tanto classicista, onde a estrutura da sociedade visava a supressão das carência fundamentais do ser humano.
Soube bem esta leitura, deixou uns ossos para roer.

Como sempre hei-de voltar cá.
António Martins, no Porto, em 10.05.2010

terça-feira, 27 de abril de 2010

Aparência e Realidade, Bertrand Russell, Tradução de Desidério Murcho

De site Crítica, 18 De Setembro de 2004 • Epistemologia
Aparência e realidade
Bertrand Russell
Tradução de Desidério Murcho
5 páginas.

Este texto começa com uma pergunta.
Haverá algum conhecimento no mundo que seja tão certo que nenhum homem razoável possa dele duvidar?
A pergunta faz sobressair os seguintes termos:
Conhecimento, tomo-o como a faculdade de ter noção de, fazer ideias de.
Certo, subjaz a ideia do verdadeiro, o que é determinado.
Duvidar, leva-me para o estar convencido ou ter certezas de.
Uma reformulação possível da pergunta:
Haverá alguma ideia que seja tão verdadeira que dela não possamos duvidar?
Ou, ainda:
Uma coisa considerada existe?
Ou: Algo existe?
No nosso dia a dia aproximamo-nos das coisas, e muitas das vezes, criamos crenças ou preconceitos à acerca delas, não as valoramos, nem aprofundamos as relações de proximidade. Não atribuímos tempo ao deixar vir as coisas e fugimos da sua dissecação, no sentido de saber o que elas são, enquanto são. Não questionamos o nosso sentir?
Dessa experiência resulta conhecimento de cariz prático que utilizamos por necessidade. Esse conhecimento também pode ser o início da procura da certeza. Do senso comum partimos para o fundo do poço, ou para o cima do monte.
O texto tem subjacente um sistema constituído pelo “Eu”, a “relação directa” e a “coisa”. Onde não podemos descurar a subjectividade inerente ao “Eu”, as condições de proximidade da relação, os factores da coisa e o conjunto no seu todo. Se queremos procurar as coisas que são, enquanto são, isto é, aprofundar a natureza das coisas, isso leva-nos a um grande mergulho naquele conjunto, com calma e sem desesperos, tirando daí os frutos que se desejam.
Concentro-me na coisa próxima, dirijo-lhe os meus sentidos, segundo esta ou aquela direcção, atinjo-lhe a forma, e até penetro na sua substância. Eu sou receptor de impressões, sinto-as.
“Sensação, experiência de estar imediatamente ciente das coisas”.
Estabeleço uma ideia e creio nela. Mas, constato que ao ir mais fundo há sempre um item que falta. Duvido, já não é um querer com toda a certeza, mas antes o “parece-me” que ela é isto ou aquilo.
É hábito ajuizar sobre a materialidade das coisas, com base no que elas parecem ser, e não com base no que elas são. Pensamos que sentimos efectivamente as suas formas materiais, só que concebemos as suas formas aparentes a partir do que inferimos dos sentidos.
“Dados dos sentidos, coisas imediatamente conhecidas pela sensação”.
As coisas alteram-se constantemente ao longo do espaço-tempo, nomeadamente, quanto à forma e substância. Os sentidos não parecem dar-nos a verdade sobre a coisa em si, mas sobre a aparência dela.
A coisa, objecto físico no alcance do meu sentir, não é imediatamente conhecida por mim, é uma inferência do que é imediatamente conhecido.
“Não podemos descurar a relação entre os dados dos sentidos e os objectos. Para sabermos seja o que for dos objectos físicos tem de ser por meio dos sentidos, mas o objecto não é os dados dos sentidos, nem os dados dos sentidos são propriedades do objecto”.

Assim, termino por agora, espero voltar cá.

António Martins, no Porto, em 01.05.2010

domingo, 18 de abril de 2010

Que é uma Coisa? Martin Heidegger, Edições 70, 237 páginas.

Quando li a primeira vez este livro veio-me à ideia um grande professor de probabilidade. Falo do Sr. Eng. Trigo e dos seus cálculos de probabilidade, no sentido de acertar num número pretendido, constante da roleta russa existente no casino de Espinho. Com os seus elevados conhecimentos matemáticos, aliados à sua experiência terra a terra, tirava o sono a todos, dentro de um anfiteatro cheio. Era o delírio mental.
Apesar da leitura global do livro, o pouco que disser visa o explanado até à página 59.
A similitude invocada vem do facto desta proposta surgir na sequência de um conjunto de aulas ministradas pelo Professor Heidegger e, em certa medida, pela dialéctica que nos transmitiu decorrente da pergunta mencionada em assunto.
Abordar esta questão, tão profundo quanto possível, é como cair dentro de poço, e sentir-se em apuros para vislumbrar o fundo. Venho com outra ideia, é como andar às voltas dentro de um armazém, carente de arrumação, e ter grande dificuldade em arrumar as peças nos lugares mais apropriados. Faço do armazém uma macieira, giro em torno dela, umas vezes arranco maçãs saborosas, outras vezes saem maçãs com bicho.
Outra ideia feita que trago é definir “coisa” como “o que existe, fora de mim e no meu pensamento”. E tenho como “mundo - tudo o que existe”. O que é pouco, sendo sempre um ponto de partida para uma qualquer evolução.
A linguagem tem um papel importantíssimo para o encontro da resposta, pela utilização do termo certo, pelo desenvolvimento de argumentos e pela expressão de raciocínios que conduzam ao encontro da resposta.
Da experiência do quotidiano assumimos coisa como algo que está à mão, disponível, à vista, ou à beira. É algo que afecta os nossos sentidos, podemos instrumentalizar, e destacar propriedades.
Ampliando aquele sentido de proximidade, e como consequência da experiência, coisa surge como algo que ocorre, de um modo ou de outro, acontecimento; ou interiorizando a proximidade, temos coisa como pensamento.
Indo mais longe, sem recurso à experiência, coisa surge como qualquer coisa, algo e não nada.
O professor fala do papel da ciência na determinação das coisas, ao procurar saber o que são as coisas e como se diferenciam. Mas, salienta a necessidade “de saber o que é a coisa enquanto coisa, isto é, procura-se aquilo que faz a coisa ser coisa, enquanto coisa, a coisalidade, algo incondicionado que determina a coisa, e que temos de procurar, indo além de todas as coisas, em direcção ao que já não é coisa. Isto, implica um querer saber mais que as ciências, ou melhor de um modo diferente”.
O meu corpo, a minha mente, a relação entre as duas, o eu, a relação com o outro conduzem ao sujeito que representa e acredita. “O que representamos e acreditamos são imagens subjectivas que carregamos; às próprias coisas nunca chegamos”.
Estes e outros argumentos vão ficar a roer cá dentro, cá voltarei.

António Martins, no Porto, 25.04.2010

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O Banquete de Platão, Site/livros grátis, 35 páginas

A minha intenção é centrar-me única e exclusivamente neste livro, sem mais influências, isto é, sou eu e este livro.
Glauco, cheio de curiosidade, aproxima-se de Apolodoro. Pretende inteirar-se de um banquete que ocorreu, para o qual foi convidado Sócrates, entre outros. E gostava de saber o que lá se tinha tratado.
Apolodoro prestou-se a informá-lo, sendo ele o contador do diálogo relatado no livro.
Num fim de uma tarde iniciou-se um jantar que ocorreu em casa de Agatão. Para além deste, os seus convidados eram: Fedro, Aristófanes, Pausânias, Erixímaco, Aristódeno, Agatão, Sócrates e Alcibíades. Estes eram servidos por meninos e as mulheres remeteram-se à cozinha.
O tema escolhido para o diálogo era o Amor, ele próprio, sua natureza e suas obras. Estabeleceram uma sequência de exposições, onde cada um expunha o que era do seu entendimento.
Estes homens tanto podiam nutrir amor por meninos já crescidos, como por homens adultos, ou por mulheres. Os fundamentos e virtudes do amor são procurados por eles, tomando por base a relação entre homens.
Entre as várias ideias que ficaram, uma delas é que o amor não existe sem um par mínimo: “aquele(a) que ama” e o(a) “amado(a)”. O amor é a cola que une o sujeito e o objecto desta relação comunicacional. Ele está para além do “pessoa” a “pessoa”, do “pessoa”, “coisa”; como também pode estar no par “pessoa” e “transcendência”.
Da exposição do quarto na sequência do debate, Agatão, lembrei-me de umas palavras:
“O amor trás felicidade, é em si mesmo belo e o melhor, depois é para os outros a causa de tantos bens.
Com o amor não há prisões, nem mutilações.
É delicado e reside nos delicados.
Tem constituição húmida porque se amolda com jeito.
Reside no que floresce, no que está florido e perfumado.
Não comete, nem sofre injustiças.
Não cede à força, nem à violência.
Reside no homem de bom grado, temperante e justo.
Domina prazeres e vícios.
Não se opõe à coragem, mas domina o corajoso.
É necessário à sabedoria e à criação.
Desde que se ama as belas coisas toda a espécie de bem surgiu.
Tira o sentimento de estranheza e enche-nos de familiaridade.
Incute brandura e excluía rudeza.
É pródigo do bem-querer e incapaz do malquerer.
É propício e bom.
É contemplado pelos sábios, invejado pelos desafortunados e conquistado pelos afortunados.
É diligente com o que é bom e negligente com o que é mau.
É piloto e combatente.
Ele encanta o pensamento”.
Por agora é tudo, sem grandes críticas e análises, outros desenvolvimentos estão noutra oportunidade que exista. A vontade anda à solta.



António Martins, no Porto, em 18.04.2010.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

"As Confissões de Santo Agostinho" Livraria Apostulado da Imprensa, 446 págs.

Comecei com este como podia avançar com outro.
Todos eles são para mim motivo de grande satisfação.
Neste livro Santo Agostinho torna públicas muitas das suas confissões a Deus.
Confissões por erros verificados ao longo da sua vida.
Depois de uma infância normal, prossegue os seus estudos secundários e superiores em Cartago, onde vem a ser professor de filosofia.
Perde o pai cedo. A sua mãe, crente fervorosa, acalenta o sonho de o tornar fiel amigo de Deus.
Agostinho foi um homem culto e sábio.
Eu não posso deixar passar, uma das coisas que mais me impressionou nele, foi a sua imensa humildade e bondade.
Já no estado adulto entrou nuns caminhos pouco recomendáveis, porque foram levados ao extremo e à doença. Vem a ter um filho. É a sua mãe que muito o ajuda nessa canseira. Até aos 27 anos gozou bem a vida.
Sozinho fez crescer na sua interioridade a ideia de Deus.
Ideia que vem abraçar totalmente, já em Roma, com mais dois amigos, em regime de total entrega e celibato.
Ao longo de todas as suas confissões ele mostra o seu grande amor a Deus, através das suas palavras de completa adoração.
E chego ao ponto onde queria chegar, para já.
O seu conceito de Deus que se aprofunda além das palavras de adoração. E que subscrevo, na qualidade de crente.
E o seu desenvolvimento sobre a questão do tempo, algo que considero maravilhoso.
Por agora é só isto. Mais tarde volto à obra e a este lugar.



António Martins, no Porto, 12.04.2010